Editora-adjunta do O POVO+ especializada em ciência, meio ambiente e clima. Formada em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC), é premiada a nível regional e nacional com reportagens sobre ciência e meio ambiente. Também já foi finalista do Prêmio Einstein +Admirados da Imprensa de Saúde, Ciência e Bem-Estar na região Nordeste
Graças à investigação científica da História, recebemos o primeiro Oscar do Brasil. É um lembrete de que aqueles que tentam desmerecer o rigor das ciências humanas são os mesmos que precisam esconder a verdade
Foto: Arquivo Nacional
Artistas protestam contra a ditadura militar em fevereiro de 1968. Na imagem, Tônia Carrero, Eva Wilma, Odete Lara, Norma Bengell e Cacilda Becker.
A corrida para vencermos o primeiro Oscar do Brasil começou no dia 18 de novembro de 2011. Foi quando a então presidente Dilma Rousseff (PT) sancionou a Lei nº 12.528/2011 e instituiu a Comissão Nacional da Verdade (CNV). Em 16 de maio de 2012, a comissão é instalada e começa um processo longo, e com certeza doloroso, de esclarecer o que realmente foi a Ditadura Militar.
Dois anos depois, no dia 10 de dezembro de 2014, o relatório final foi entregue. Identificou 434 casos de mortes e desaparecimentos, 377 agentes públicos envolvidos, em algum grau, na tortura, no estupro, no assassinato e no ocultamento das vítimas. De torturados, o número pode chegar a 20 mil, segundo o Human Rights Watch.
Foi somente então que o Brasil soube. Soube de verdade. A família Paiva imaginava, viveu, mas não sabia completamente. Marcelo Rubens Paiva só pode escrever Ainda Estou Aqui (2015) depois da Comissão da Verdade — e o fez na ânsia por memória, publicando o livro em agosto de 2015, apenas oito meses após o relatório.
Neste domingo de Carnaval, no meio da festa popular mais pujante do Brasil, a memória venceu. Mas quase perdemos, mesmo.
Lembro de uma conversa com minha irmã mais velha em ocasião do filme: contava que era uma obra importante, principalmente porque não aprendemos sobre a Ditadura Militar na escola. “Eu lembro que quando eu estava na escola, era um capítulo muito pequeno do livro. E eu estudei faz pouco tempo, sabe? Faz menos de 15 anos”, calculou.
Estranhei, porque lembrava de dedicar mais tempo debruçando-me sobre o assunto em sala de aula. “Tu terminou a escola em que ano?”, perguntei. “2011", respondeu.
Foto: Evandro Teixeira, Acervo IMS/Coleção Evandro Teixeira
Caça ao estudante durante a Sexta-feira Sangrenta, série de manifestações contra a ditadura realizadas no centro do Rio e duramente reprimidas pelo regime, Rio de Janeiro, 1/4/1964.
Aí está. Eu terminei em 2017. Tive a oportunidade de passar pelo Ensino Médio inteiro sabendo. Ela não. Por pouco, muito pouco, não só perdemos o Oscar como a memória de uma nação inteira.
Tudo só foi possível pelo estudo científico da História. Não somente pela Comissão da Verdade, mas também por diversas outras pesquisadoras e pesquisadores de Ciências Humanas que investiram suas carreiras em manter o passado latente e bem contado. A eles devemos agradecer.
As Ciências Humanas são geralmente escanteadas como menores. Muitos tentam nos convencer de que as metodologias dessas áreas são inferiores e falhas, incomparáveis com a exatidão de uma fórmula matemática.
Foto: Correio da Manhã
Blindados ocupam a Avenida Presidente Vargas em abril de 1968, durante a ditadura militar.
Quem diz isso, eu posso assegurar, é quem precisa de um povo alienado. É quem quer um povo ignorante do verdadeiro passado, é quem precisa moldar as narrativas e chamar um golpe e uma ditadura de revolução.
Hoje, milhões de brasileiros gritam nos ouvidos destes senhores: Sem Anistia. Gritamos porque agora sabemos. Quem sabe faz a hora, não espera acontecer. Nunca mais.
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