
Chico Araujo é cearense, licenciado em Letras, professor de Língua Portuguesa e de Literatura brasileira. É autor dos livros
Chico Araujo é cearense, licenciado em Letras, professor de Língua Portuguesa e de Literatura brasileira. É autor dos livros
Concordo com você, amigo e leitor, quando pensa e diz (ou mesmo quando somente pensa) que não está fácil. Não, não está.
O cotidiano está ficando cada vez mais distante dos nossos desejos de tranquilidade, de acarinhamentos, de amorosidades, de respeitos, de aceitações do convívio amigável com aqueles diferentes de nós. O desejo de eliminação a qualquer custo dos nossos contrários é sinal de nossa determinação em não querer saber das existências além de nós, em não querer ver nossos entornos, em não querer fazer a escuta de muitas vozes a nos falar.
Não penso estar a solução de tudo a envolver o ser humano somente na necessária prática de sentir, pela percepção receptiva, o dito pelos outros. Não é importante somente ouvir; porém, ouvir e a partir desse ato pôr-se em outras ações validadoras do aprendizado com base no escutado. Eis algo da competência das famílias e das escolas: a preparação dos filhos e dos estudantes ao exercício da escuta. Saber ouvir é um fundamento para as inter-relações.
Sem saudosismo exagerado, me lembro de um tempo em que os pais falavam aos filhos e estes ouviam. Parece simples, mas a experiência de vida tem ensinado que é, na verdade, algo muito complexo, principalmente quando focamos nossas lupas nos dias contemporâneos. O que os mais velhos costumam dizer aos descendentes refere-se a sua vivência o que, muitas vezes, não repercute nos tempos do depois-agora, talvez por causa dos novos contextos de vida. Em linhas gerais, vê-se, no transcorrer do dia a dia, desprestígio e desrespeito às lições e orientações dos envelhecidos – há, na verdade, tendência natural, entre nós, ocidentais, a não se valorizar, não se dar muito crédito ao que é repercutido pelos ancestrais.
Sem ingenuidade: em qualquer época de antanho, os filhos precisaram ouvir a si mesmos, ao que o coração lhes comandava, ao que a vontade lhes dizia, ao que o destino lhes cobrava. Então, sempre foi algo natural os filhos colocarem de lado experiências dos pais para viverem as suas. A vida dos antecessores não pode ser a dos sucessores (sou um exemplo). Mas havia escuta e por ela algum aprendizado, considerando os antepassados, inclusive, o que gerava, também, a possibilidade de se caminhar por caminhos menos espinhosos, por estradas mais tranquilas, menos conflituosas e, portanto, mais respeitante aos semelhantes.
Penso ser responsabilidade também das escolas, em todos os níveis, o encaminhamento para a doação de si à escuta do outro. O respeito ao outro ensinado nas famílias e reforçado nas escolas pode desenvolver espíritos menos intransigentes, pessoas menos autocentradas, sem serem portadoras de egos exacerbados. Não é bobagem saber o outro: entendê-lo com base em seus pensamentos e suas vivências permite a compreensão de suas necessidades e de suas idiossincrasias, permite até o pensar em “como posso ajudar?”.
“Escute”, amigo e leitor, jamais poderei dizer que nesse tempo de que estou me recordando era tudo fácil. Não, jamais poderei dizer isso, principalmente ao trazer da memória a faina diária de meu pai e de minha mãe na abnegação de educar, alimentar, vestir, calçar e ainda conceder um pouco de lazer aos quatro filhos. A luta deles foi enorme, mas conseguiram nos formar, nos fazer humanos. Havia escuta e era ativa. Com ela aprendemos a respeitar o outro em suas características, cientes de que, se não eram iguais a nós, isso se devia a questões distintivas naturais com as quais deveríamos conviver de maneira atentamente respeitosa.
Não me interrogue por perfeição, peço-lhe, leitor. Não há perfeição naquilo que o ser humano faz, embora, em muitos momentos, esse seja nosso desejo. Acertar sempre. Fazer sempre o correto, mesmo que a duras penas, penso que seja algo de máximo valor; no entanto, nem sempre acertamos, por mais corretos que estejamos. No cotidiano social, os embates – subjetivos e objetivos, implícitos e explícitos – nos põem à prova quase sem nos dar tréguas. Falhamos, algumas vezes. E eis que, então, o que poderia ser fácil se torna mais complexo do que nossa imaginação possa desenhar para nós.
Então, repito com você: esses dias não estão fáceis. Pensando na escuta, no ouvir, quem de nós está realmente querendo saber do outro o que ele tenha a dizer? Mais do que escutar, queremos dizer, porque parece que estamos engasgados e necessitados de falar falar e falar... como eu nesse texto que já se alonga. Mas há alguém a nos ouvir? E nós, estamos nos permitindo a atenção de ouvir o outro? Serei “lido/ouvido” pelo expresso nesse escrito? Saberei “ouvir” seu retorno a esse escrito.
Eis que entendo que se me negar a ouvi-lo, amigo leitor, posso acabar acreditando que o que acho que sei é o que deve ser e por assim achar existe a possibilidade de eu pôr em prática a minha crença, a minha certeza (que pode estar sustentada em algo sem sustentação) e, em assim fazendo, prejudicá-lo, aviltá-lo, destruí-lo de alguma maneira. Em contrapartida, o mesmo pode acontecer a partir de você em relação a mim. E, mais complexo ainda: pode haver algo designado por nós em prejuízo de toda a sociedade.
Se somos seres "sociais", o que fazemos a uma parte acaba por se estender ao todo, como a metáfora da pedra jogada ao centro da lagoa, reverberando ondas pela extensão toda dela; como os versos do poeta de séculos antes. E se nesse processo de existir com outros não abrimos possibilidade de saber-lhes o que sentem, o que pensam, o que querem ser, o que são, como veem o mundo, ao mesmo tempo estamos dizendo “nãos” a nós mesmos, que o todo não se faz sem as partes.
Não, não está fácil e na perspectiva da dificuldade existente me chega uma a dizer-me que posso estar falando sozinho aqui, escrevendo para mim mesmo, talvez desejando um instante para me ouvir. Aí me confronto com uma realidade dolorosa: se não nos escutamos mais como seres humanos, como sociedade que deveríamos ser, nos destruímos como pessoas, fechando-nos em nossos egoísmos.
Que acontecimento nos desvelará hoje diante de nossos olhos nossa impotência diante de nós mesmos por estarmos à mercê de nossos egos? Que fato surpreendente e tocante nos jogará na cara nossa subserviência consentida às bestialidades implicadas aos nossos instintos? O que doaremos como legado aos vindos depois de nós?
Não, não está fácil.
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