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Mesclas
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Chico Araujo é cearense, licenciado em Letras, professor de Língua Portuguesa e de Literatura brasileira. É autor dos livros

Mesclas

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Tipo Notícia

Há uma sensação de possível saudade. Muitos, muitos e muitos anos em atividade de preparação de material num determinado hoje para aplicação dele num certo amanhã. Muitas vezes sem final de semana nem feriado com a família, com os amigos, com a comunidade. Quase “zero” lazer. Não poucas vezes construindo instrumentos avaliativos. Não raro, avaliando os instrumentos aplicados. A dinâmica, a rotina farão falta?

Se insinua uma expectativa positiva quanto ao que ainda não sei em certeza. Se projeta o desejo de que amanhã seja um lindo dia, com muita sã alegria em tudo que se possa imaginar. Dias tranquilos com a família, caminhando pela praia, sol bondoso no rosto, brisa alegre no corpo, o mar, suas ondas e espumas. Quem sabe conchas a serem colhidas com os netos! Aguinha de coco para hidratar. À noite, o frio marinho sob o fulgor da lua e das estrelas. Um violão. Canções. Luaus. Amigos.

Pressinto a evidência de conforto, pois o cotidiano já não exigirá o acordar muito cedo nem o esfalfamento em pesquisas devidas e honestas sobre temas à exploração coletiva. Antevejo alívio, posto não necessitar mais de validar a exigência imperativa do fazer tudo em favor dos aprendizes, colocando-os sempre em primeiro lugar de atenção, abrindo-se mão do zelo a si mesmo e aos mais próximos. Destitui-se essa lógica e implementa-se uma outra que é inclusiva do olhar para si, para a família, para os amigos, para os deleites, os quais também me compõem, embora quase sempre tenham ficado de lado.

Prevejo distensão psíquica pelo afastamento dos instantes conflitivos naturais nos debates em sala – os tempos de agora se revelam muito confusos, muito dissociativos, muito instáveis para essa abordagem e quase todas as outras no trabalho docente. É como se tudo estivesse sendo motivo para desordem sem solução, até mesmo pela evidenciação de diálogo a partir de ponto de vista pautado em razão. Admito que "Todo ponto de vista é a vista de um ponto", porém acredito ser possível se aceitar a validade da visão de alguém, utilizando-se o princípio de defesa de ponto de vista baseado em pressupostos sustentáveis com base em sólida argumentação, esta desenvolvida e centrada em verdade. No tempo de agora, infelizmente, o que é falso, inverdadeiro, sobressai e gera confusões.

Está comum saber do uso de mentiras sendo espalhadas na "roupagem" falsa de verdades. E a mentira, mesmo contada várias vezes, continuará sendo mentira; mesmo que muitos a propaguem e outros tantos a aceitem como verdade, sempre será mentira. Os que a propagarem conscientes de que verdade não é, estarão em ato inconteste de tentar ludibriar, enganar alguém, com objetivos espúrios, certamente. Professor não deve ser inconsequente. Consequente, seu ofício se pauta na justa verdade a ser encaminhada em seus discursos a todos os seus discentes sem nenhuma exceção.

Sala de aula não é espaço de irresponsabilidades. Ao contrário, exige o compromisso com a sinceridade, com a honestidade, com a ética obrigatória a quem se pretende contribuir com a formação de crianças, jovens, adolescentes e adultos também. É lugar de ensino e aprendizagem, mas hoje, mais que nunca, de trocas, intercâmbios de humanidade, intermediação de acolhimento, carinho, afeto, indo muito além da simples transmissão de informações técnicas.

Saboreio, então, o gosto do dever cumprido. Vou deixando para o âmbito do passado uma trajetória que meço vitoriosa no magistério. Avalio que os prós superaram os contras. E entendo o fato de ser necessário, agora, trilhar outros caminhos. "O mundo inteiro está naquela estrada ali em frente" e ela é pleno convite para ser caminhada. E irei devagar, não tenho pressa – mesmo não cogitando a perfeição que, bem sei, não existe. O que existe é a estrada e nela já estou, pois já piso meus passos nela, enquanto me distancio, mesmo que lentamente, do que por 40 anos me impregnou.

Auguro, enfim, tranquilidade, projetada da certeza plena de que um período se completa. Apenas uma regularidade se interrompe. Outra certeza, inspira: a de que bem próximo está a era em que se dá "Tudo novo de novo". Com esperança de que haja e seja um tempo muito bom. Quiçá, sob o aconchego de “uma casa no campo”.

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