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Ditado
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Chico Araujo é cearense, licenciado em Letras, professor de Língua Portuguesa e de Literatura brasileira. É autor dos livros

Ditado

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Tipo Crônica

Existem ditados populares que me despertam reflexão. Um deles é “Pau que nasce torto morre torto”. Esse conhecidíssimo adágio popular é lido, ouvido, aceito como máxima inequívoca. De fato, se o “pau” aludido fosse referente a madeira, quem sabe um galho caído ou retirado de uma árvore sem sofrer nenhuma ação transformadora do homem, o pau que nasceu torto, sim, permanecerá torto.

Mas a referência é outra. A expressão, de valor metafórico, costuma ter seu uso associado a algum ser humano, normalmente aquele reconhecido como alguém complicado, de ações desagradáveis, muitas vezes condenáveis. Alguém a quem se dá a pecha de ser o que é desde o momento em que nasceu. Um ser falho, defeituoso moralmente, desprovido de qualidades mínimas para viver em sociedade, desde pequeno, mantendo-se da mesma maneira por toda a sua vida. Determinismo.

A utilização do adágio, no entanto, é de teor figurado, aludindo a visões de mundo, comportamentos, atitudes que o ser humano possa ter em seu dia a dia e isso também estará sempre relacionado com suas subjetividades. Então, não se pode dizer que uma pessoa “é pau torto” desde seu nascimento. Os bebês nascem puros; as crianças fazem aquilo que sua maturidade permite sem muita possibilidade de racionalidade. O que venham, então, a ser em sua evolução estará relacionado com vários aspectos que estão além deles mesmos e que se integram para compor sua condição subjetiva.

A condição subjetiva das pessoas se identifica com tudo o que possa se passar no íntimo delas, individualmente, esse tudo sendo influenciado muitas vezes pelo mundo externo a elas e funcionando como moldador da maneira como cada uma enxerga o mundo que remanesce interligado a influências culturais, educacionais, religiosos, econômicos, sociais.

Assim, a subjetividade de cada pessoa destacará sempre, quando manifestar um posicionamento, um ponto de vista, uma opinião, influências que internalizam a partir de sua experiência com as vivências cotidianas, posto que, no dia a dia, todos vamos nos enriquecendo de feitios que nos são externos. Nessa aquisição de características, nessa soma de atributos, ninguém permanece o tempo todo sendo o mesmo que foi antes.

Não defendemos aqui a perspectiva naturalista que diz ser “o homem um produto do meio”, mas entendemos estar o homem sujeito a mudanças na interação com a sociedade. E, considerando a não objetividade no uso da expressão aos seres humanos e, ainda, o fato das mudanças porque passa cada um enquanto a vida vai transcorrendo, já houve quem cantasse “Dizem que pau que nasce torto morre torto / Eu não sou pau, posso me regenerar” ("Fraqueza". Antônio Carlos e Jocafi), evidenciando a ideia de uma revolução para uma vida mais positiva de quem se mantinha em erros.

Por outro lado, o que dizer de quem “nasceu reto”, “cresceu certo” e, na fase adulta, entortou? Para esses, que adágios, que expressões podem caber-lhes como uma luva?

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