
Chico Araujo é cearense, licenciado em Letras, professor de Língua Portuguesa e de Literatura brasileira. É autor dos livros
Chico Araujo é cearense, licenciado em Letras, professor de Língua Portuguesa e de Literatura brasileira. É autor dos livros
Despertou cedo. Em modo dinâmico, caprichou na lavagem da louça dormida na pia desde a noite anterior. Preparou o desjejum: torradas, uma fatia de mamão, uma fatia de melão, ovos mexidos, uma fatia generosa de queijo de coalho, suco de acerola, leite e o necessário café bem fresquinho.
Não soube exatamente como, mas acomodou tudo em uma bandeja de prata e levou ao quarto. A esposa despertava. Incrédula com a cena, abriu o sorriso, cheia de satisfação. Após o beijo caloroso de bom dia e a exclamação de feliz aniversário, ela foi degustando as iguarias, ao mesmo tempo em que saboreava aquele momento de felicidade.
No mesmo estado, ele observava a satisfação dela.
- Vá se encontrar com as amigas, conforme combinou. Eu cuido do apartamento.
No encantamento, a esposa degustou todo o alimento oferecido na bandeja, depois espreguiçou e foi ao banheiro. Iria, sim, ao encontro das amigas. A praia era tão perto delas, não é mesmo? Por que se limitarem de curti-la somente aos domingos e, mesmo assim, uma vez ou outra?
Contente, viu a mulher arrumar-se e sair para festejar com as amigas de todo o sempre. Desde que sua existência se lembrava de existir, elas estiveram sempre juntas, na alegria e na tristeza, no barulho das conversas empolgadas e no recolhimento dos colóquios em confidências. Cresceram juntas, juvenesceram compartilhando experiências análogas, amadureceram dividindo as exultações e os dissabores da fase adulta. Principalmente não segredavam entre elas o cotidiano dos casamentos assumidos. Todas sabiam de tudo sobre cada uma.
Nas mãos dele, a vassoura foi tangendo a poeira nos espaços do apartamento de maneira mais lenta que a rotineira. Não tinha jeito. Não era muito assíduo naquela atividade que parecia exigir muito. Mantendo-se firme, embora rapidamente enfadado, foi varrendo tudo e até fez muito bem. Se esmerou para caprichar. Depois da ação com a vassoura no chão e nas paredes e portas, rodo e pano molhado foram eliminando o restante de poeira insistente. Em sua maneira de pensar, estava deixando tudo “um brinco”.
Recolheu roupas sujas e as fez girar nos movimentos da água na máquina de lavar. Enquanto as roupas se banhavam, correu para lavar os banheiros. No da suíte do casal se empenhou e a limpeza foi de dar gosto de ver. Quando foi para o outro quarto, pensou que talvez já não estivesse com a mesma vontade de quando iniciou a limpeza. Estaria mais lento? Soprou em uma respiração já meio ofegante, enquanto passava a mão na testa, afastando o suor. Terminando o serviço naquele banheiro, ouviu que a máquina de lavar o chamava para o estendimento da roupa limpa.
Pendurou na área de serviço toda a roupa saída da máquina, desejando que o vento insistente do quinto andar as fizesse secar plena e rapidamente. O próximo ato foi se sentar na poltrona da sala, sorriso nos lábios, crente de que fizera tudo certinho. Olhou para cada lugar marcado com sua intervenção e se sentiu satisfeito, apesar do cansaço sentido. Eis um bom momento para uma boa gelada!
Saboreando o primeiro gole de cerveja, a porta da geladeira ainda aberta alertava para a falta de comida dormida preparada para o almoço. Coçou a cabeça, mordendo o lábio. Foi para algum lugar sem sair dali e quando voltou havia decidido: Vou fazer esse almoço. Deu mais um gole na cerveja e percebeu que a vontade de cozinhar não era muito forte nele. Espiando o relógio na parede da cozinha viu que precisaria correr. Correu. Empreendeu na gastronomia possível. Fez o que estava a seu alcance.
Estranhando a falta de ânimo no corpo, comemorou o fato de a esposa chegar às 15h – deu tempo da comida ficar pronta.
- Mas como assim? Não quer almoçar? Caprichei no carinho e na preparação, vai gostar, tenho certeza.
- Comemos na praia. Tomarmos cervejas, rimos muito e comemos, almoçamos na barraca mesmo. Deixa pro jantar. No jantar a gente come.
- Mas ainda tá tudo quentinho...
- Na hora do jantar a gente deixa quente de novo.
E assim foi. O almoço foi parar na geladeira, de onde saiu a quarta cerveja que restou esquecida pela metade sobre a pia da cozinha, enquanto ele lavava as panelas que sujara. O prato que sujou também, na ação de um comer solitário. A vantagem era não precisar fazer janta nenhuma. Cozinha arrumada. Sentava-se na sala pensando no sabor da nova cerveja gelada. A voz veio do quarto, dobrou no corredor e se espalhou no apartamento:
- Amor, pede uns salgadinhos, uns refrigerantes e uma torta de limão que minha família vem aqui de noite. Escuta, dá pra passar o pano molhado aí no chão? Já passou o pano hoje de manhã? Passa de novo que tá ventando muito e deve ter entrado poeira.
Pedidos feitos, varreu tudo novamente (o vento, de fato, trouxera novas sujeiras para dentro). Passou o pano molhado em tudo novamente. Inovou na flanela sobre os móveis. “Um brinco” tudo. Se arrumaram. As visitas chegaram. O sogro mal viu o genro e já perguntou se ele estaria adoentado, de tão abatido que o encontrou. A sogra deu boa noite e disse um seco “Tá mesmo”. Os cunhados avisaram que ele estava precisando tomar umas “pra rebater essa cara de acabado”. Ele avisou não estar doente, mas cansado por conta de um fazer diferente do seu costume.
A noite foi animada, sem o jantar que seria o almoço, mas com salgadinhos, refrigerantes e a torta de limão. Também uma fileira de cervejas que espantaram (será?) o cansaço e libertaram o espírito galhofeiro. Haja histórias. Haja risadas. Os visitantes partiram logo após os “parabéns pra você” – tradição que ninguém consegue esquecer. Então, a calmaria. Enfim, sós.
Não há necessidade de se comentar como foi a noite na cama.
Na manhã seguinte, bem cedo, ele foi acordado pela esposa:
- Bem, meu aniversário agora é todo dia, viu?
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