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A primeira pérola
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Chico Araujo é cearense, licenciado em Letras, professor de Língua Portuguesa e de Literatura brasileira

A primeira pérola

Como poderia, então, um amor se constituir como "mercúrio apertado/ Na palma da minha mão"? Ou se expressar "Feito fogo de cigarro aceso na escuridão"?
Tipo Crônica

Tenho certeza de que todos os apreciadores de músicas têm em suas histórias de vida pelo menos uma composição musical que lhe toque profundamente. Eu tenho algumas, dentre as quais sempre há aquelas que classifico como “pérolas”.

O julgamento é subjetivo, sim, mas tem sua razão de ser. Por exemplo: foi pelo começo dos anos 1980 que vi o Quinteto Agreste cantando na Praça José de Alencar e na Praça do Ferreira dentro do Projeto Luiz Assunção. Na Praça José de Alencar, as apresentações musicais começavam na “boquinha da noite”, quando os trabalhadores deixavam seus trabalhos e buscavam os ônibus para o retorno à casa. O projeto tinha esse objetivo: apresentar ao público artistas da terra que buscavam reconhecimento por sua arte, por seu talento musical.

Na Praça do Ferreira, sob os auspícios do mesmo objetivo, os artistas se apresentavam pelo meio da manhã e, dependendo da programação, havia gente se exibindo até o meio-dia. Naquele tempo as duas praças eram utilizadas como espaço público para difusão de arte e cultura de maneira bem acessível às populações mais humildes, aquelas sem costume ou possibilidade de se fazer presente em teatros ou shows em ambientes fechados onde ingressos eram vendidos em contrapartida ao acesso.

Ali na Praça Jose de Alencar ouvi pela primeira vez a música "É assim o meu amor". A composição, de Mário Mesquita e Roberto Pinto, me chegou de maneira contundentemente bela em sua melodia, em sua letra e na voz poderosamente forte e inflamada de Mário. A melodia tocada de forma harmoniosamente “chorosa” pelo grupo musical se fazia acompanhar pela letra profundamente poética com metáforas inusitadas e imagens surpreendentes quanto ao que poderia ser o amor exaltado na canção.

Como poderia, então, um amor se constituir como "mercúrio apertado/ Na palma da minha mão"? Ou se expressar "Feito fogo de cigarro aceso na escuridão"? como imaginar um amor que é "fogo queimando palheiro" e, ainda, "tempestade em alto mar", ao mesmo tempo em que é "doce feito mel de cana/ E som de carro de boi". Paradoxos? A meu ver, expressões verdadeiras de um eu lírico conhecedor dos sentimentos em ebulição em seu interior.

A intensidade com que Mário Mesquita interpretava (e ainda interpreta sempre que se executa a gravação da música no LP "Sol Maior", de 1982) a canção e a beleza das vozes realizadas pelo Quinteto (Mário Mesquita, Arlindo Araujo, Marcílio Mendonça, Ademir do Vale, Tony Maranhão, com participação de Zé Américo e Marcos Amma) me pegaram em cheio. Nunca esqueci aquela canção. Em saraus, cheguei a declamar seu poema e mesmo me aventurei em cantá-la à capela, sempre em muita emoção.

Quanto tempo transcorreu? Quantas mudanças se operaram no mundo? Vixe, a gente nem se dá conta, não é? O que sei é que a canção ficou em mim, em minha memória e eu a trato carinhosa e respeitosamente como uma "pérola" da arte musical cearense. E hoje a canto também, me somando às interpretações já bem conhecidas do Mário Mesquita junto ao Quinteto Agreste e de Eudes Fraga, acessíveis em plataformas digitais musicais. É o que faço no EP "Pérolas", também disponível em plataformas a partir desse maio de 2025.

Foto do Chico Araujo

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