
Chico Araujo é cearense, licenciado em Letras, professor de Língua Portuguesa e de Literatura brasileira
Chico Araujo é cearense, licenciado em Letras, professor de Língua Portuguesa e de Literatura brasileira
O termo “munganga”, conheço-o desde menino, pois minha mãe o usava, quando eu, meu irmão ou alguma de minhas irmãs ficávamos fazendo caretas por longo tempo, no afã de implicar um com o outro, ou quando usávamos nosso corpo para imitar bichos, coisas assim. Ela, minha mãe, dizia: “Ô povo cheio de “munganga””.
Em dicionário, encontramos o verbete sendo associado a caretas, zombarias, momices, por um viés folclórico, o que o referenda como algo em tom de brincadeira, até festejo, expressão cênica em momento expansivo. Em linha bem informal e possivelmente circunscrita ao Nordeste, a expressão (também dita e escrita na variação “mogango”) tem seu uso registrado para significar “palhaçada”, “trejeito”, “macaquice”, “zoação”, entre alguns outros sentidos, todos, porém, cabendo no campo semântico em torno da ideia de brincadeira, alegria, festa e, em alguns casos, zombaria.
É no contexto da alegria e da festa que compreendo o termo duplo “Munganga Navi”, título do livro-disco de Jon Soares e João Pirambu, publicado pela Editora Radiadora nesse junho de 2025. Contemplo a existência dos dois artistas em um universo de composições poéticas, de conciliações musicais, sempre envoltos no clima da alegria das criações que fazem, não por realizarem brincadeiras (embora também sejam brincantes), mas por se divertirem, se regozijarem mesmo no desenvolvimento de temas sérios, repletos de “estado de poesia”, na concepção de Chico César.
João me contou sobre o inusitado título:
“Meu amigo Chico. A ‘Munganga Navi’... é... partiu... de um show que nós fizemos, eu e o Soares, em 2007. O nome do show era ‘Bois, Cocos, Baiões, Maracatus e outros Mungangos’. Quando foi em 2011, a gente montou esse show novamente, mas aí... é... ele já passou a se chamar apenas 'Mungango'. Né? É... Apresentamos, circulamos na cidade com ele, e... teve um grande intervalo e por volta de 2017 a gente começou a... a gente trouxe de volta esse show... o show 'Mungango'... Né?... 'Mungangos'... e... e... e também estávamos fazendo o 'Sarau na Taipa', né? E... Aí depois veio a pandemia... e foi durante a pandemia que ele, é... evoluiu para a 'Munganga Navi', é, porque a gente se deu conta de que 2017... 2007, quando fizemos o primeiro 'Bois, Cocos, Maracatus e outros Mungangos', né? Até 2020... e 1... 22... é... muita gente tinha passado por esse show, assim, eu falo músicos, né? Marcão, é é... Jefferson Portela, outros... é é... músicos mais desconhecidos Erasmo Melo, é é é, Júnior... Júnior Lobo, Canu, Adriano... é... muita gente, né?... e... e... começamos a compreender como... como uma grande embarcação, ou uma grande nave. É... A gente começou a chamar de Navi e e sabemos que a palavra Navi não se... Não se... é... grafa da forma que a gente está grafando, a Nave com I, né? É... Mas a gente resolveu grafar dessa forma mesmo, né? É... É uma grande navi, sabe? que leva muitos tripulantes... é a 'Munganga Navi'. É por aí... essa história... kkkkk”.
João não revelou isso para mim, mas “Navi”, a meu ver, é uma expressão mungangueira. Surpreende pelo neologismo, encanta pela simplicidade e amplitude. Eu arrisco: uma metáfora mungangueira que ele e Jon Soares criaram para acolher tanta gente boa, alegre, festeira, nessa viagem que fazem nas ondas sonoras musicais que hoje têm trânsito por todo o planeta. Na "Munganga Navi", que tem, na página 5, poema de Alan Mendonça, estabelecendo referência poética com o termo-título, a estrutura física é de livro impresso, mas que guarda em várias de suas páginas a inovação tecnológica do QR Code, por meio do qual o leitor-ouvinte tem acesso a poemas, músicas, comentários.
Além de Alan Mendonça, "Munganga Navi" possui textos de Íris Cavalcante, Ana Karla Dubiela, José Augusto Moita, Nirton Venancio, Ray Lima, Fernando Neri, Oswald Barroso, Rosemberg Cariry, Gylmar Chaves, Roberta Laena, Vera Dantas, Raimundo Cavalcante. Nas falas, cada um deles e delas fala sobre uma canção específica, uma letra peculiar, ampliando a possibilidade de sentidos da letra e da canção, uma vez que os sentidos apontados emergem da sensibilidade de cada comentarista. É tudo muito lindo: além do texto que está escrito no livro, os QR Codes permitem a audição do escrito.
O mesmo processo ocorre com as canções gravadas no livro-disco e isso permite que ouçamos a canção, acompanhando a letra existente no material impresso. A junção de um material comunicativo tradicional (o livro) com a inovação tecnológica (QR Code) que dá acesso a áudio de falas e canções permite a um amante de leitura e de música se deleitar nos dois “ambientes” artísticos. As 13 músicas do álbum compõem uma coletânea de canções autorais – em parceria ou em criação solitária – que transitam por estilos múltiplos, por gêneros musicais variados tocados por músicos de excelência.
Alan Kardec Filho, Jefferson Portela, Erasmo Melo, Ricardo Monteiro, Rogério Franco, Flaubert, Joel, Jeda de Souza são alguns dos artistas que subiram à “Navi” e se tornaram, ao meu olhar, mungangueiros felizes em canções reflexivas, amorosas, críticas, belas, cativantes.
"Munganga Navi", livro-disco de João Pirambu e Jon Soares teve produção executiva dos próprios artistas, com coprodução executiva de Eugênia Neri, Graça Araujo e Alan Mendonça. A direção musical foi realizada por Rogério Franco e Erasmo Melo, enquanto a produção musical leva a assinatura de Alan Kardec, Jefferson Portela e Rogério Franco. As gravações ocorreram nos estúdios Estação Fronteira, Som do Mar, Sonora Produções e Conexões do Universo; mixagem e masterização feitas por Anfrísio Rocha nos Estúdio Som do Mar.
Para quem queira se limitar à audição das canções, "Munganga Navi" está disponível em plataformas digitais musicais. Para quem queira muito mais, "Munganga Navi" pode ser adquirido por preço justo pelo site da Editora Radiadora. Alan Mendonça e Roberta Laena mandam entregar.
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