
Chico Araujo é cearense, licenciado em Letras, professor de Língua Portuguesa e de Literatura brasileira
Chico Araujo é cearense, licenciado em Letras, professor de Língua Portuguesa e de Literatura brasileira
Até onde sei, um livro que se põe no âmbito da literatura (contos, crônicas, romance, poemas, fábulas, biografia, autobiografia entre outros gêneros) traz sempre em suas páginas temas e abordagens com os quais o leitor precisa interagir, a fim de depreender o que precisa ser aplaudido, ou negado, ou repercutido. Livros do universo literário trazem sempre impactos mexedores com o espírito do leitor.
Até onde sei, livros literários podem abrir lacunas em nosso modo de existir, após, claro, ser realizada leitura atenta deles, a ponto de provocar em nós reflexões quanto ao que neles é dito e que se confronta com o que é dito em nós... por nós... para nós, baseado no que devotamos como crença que desenvolvemos desde sabe-se lá quando. Até onde sei, livros de literatura costumam ser escritos pondo em evidência “contatos” valiosos com a ampla cultura de um povo, indo muito além do que se pode ler na estrutura superficial desenvolvida nos discursos neles postos. Há de se compreender, também, os discursos.
Até onde sei, a literatura pode ser execrada por pessoas que leem as obras publicadas e delas desgostam – muitas vezes por supostamente se verem em defrontamento com seus valores, seus princípios já enraizados, uma vez que a leitura de textos literários pode gerar verdadeiro choque entre o que se tem como certeza e o que se desvela como novidade abrupta saltando do ato de ler para, talvez, após luta íntima, realizar-se como uma nova consciência (que é negada).
Até onde sei, um novo olhar sobre a vida e a existência pessoal e coletiva muitas vezes é boicotado por quem investe no discurso de que estudantes em formação não devem ter acesso a obras literárias porque nelas repousam “ideologias” degradantes à moral e aos bons costumes sociais. Ora, quem pensa assim deseja realmente o quê? A manutenção daquilo já posto, difundido e aceito na sociedade, mas de acordo com a “ideologia” de quem critica e tenta pôr em xeque as obras literárias e a literatura em si.
Até onde sei, muitas pessoas não gostam de ler nem gostariam da ampla divulgação de textos como esse – apenas um breve exemplo do que diz Djamila Ribeiro em “Cartas para minha vó”: "As pessoas se esquecem de que não somos naturalmente fortes. Precisamos ser fortes porque o Estado e a iniciativa privada são omissos e violentos. Restituir a humanidade também é assumir fragilidades e dores próprias da condição humana." O livro, de caráter autobiográfico, tem nesse trecho uma referência inconteste às condições de vida da mulher negra, uma chamada de atenção para o fato de que o Estado e os empregadores (a elite econômica brasileira) não têm olhar adequado à existência das mulheres negras, tratando-as sob várias formas de violência.
A violência sofrida pelas mulheres negras exige delas uma busca de fortaleza dentro de si que nem mesmo imaginam possam ter. No cotidiano são obrigadas a se refazerem de maneira tão profunda e intensa a ponto de os outros enxergarem nelas a fortaleza não nascida de maneira natural. Há muita dor, muito silêncio, muita revolta na fortificação feminina negra, desde a existência de seus antepassados até as existências de agora. Quem deseja a permanência da opressão sobre as mulheres negras defende que não se saiba nada sobre elas, trabalha para que suas vozes sejam caladas. Portanto, os livros de Djamila Ribeiro, escritora negra, nem deveriam ser publicados, para que não se corra o risco de a sociedade sofrer alguma influência do que ela diz, denuncia.
Até onde sei, existem pessoas que se sentirão profundamente incomodadas com poema tal qual esse, de Alana Alencar, contemporânea poeta cearense, que diz
... e nisso tudo que é o amor,
nos falta ver o embaçar das lentes,
os arranhões, as envergaduras...
nos falta o apostar cegos nas rasuras,
nas rachaduras, no oco do medo.
O incômodo simplesmente virá pelo choque de se entender que o “amor” não é, no dizer do eu lírico, possivelmente nada daquilo confessado por, digamos, espíritos românticos. O poema, que li publicado em perfil da poeta no Instagram, esgarça a ideia da perfeição existente no amor propagado por séculos como algo sublime, puro, distante das pulsações mundanas e das explosões corporais. Em obras literárias contemporâneas não é incomum nos depararmos com histórias, memórias, poemas a nos estapearem o espírito, promovendo um diálogo íntimo com nosso modo de ver, pensar e agir. Até onde sei, isso incomoda muita gente, muita gente que, inclusive, propõe a negação do texto literário, ao mesmo tempo em que propaga a leitura... de superficiais mensagens em redes sociais digitais.
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