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Desagradável
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Chico Araujo é cearense, licenciado em Letras, professor de Língua Portuguesa e de Literatura brasileira

Desagradável

Atrás de você se insurgem falas de personagens e músicas-temas alusivas a eles e elas de novela (da Globo?), acompanhadas de comentários entusiasmados sobre atitudes, figurinos, beleza estética dos e das personagens com extensão aos atores e atrizes que os representam
Tipo Crônica
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Pondero ser bem desagradável a fala alta de uma pessoa, seja quem for, em ambiente público, qualquer que seja esse ambiente, porém principalmente os fechados e com população momentânea numerosa. Dá para imaginar muita gente falando junto? É aborrecente, tal qual o ato de ouvir áudio ou de assistir a vídeo pelo aparelho celular, coletivamente, sem que a coletividade sequer tenha demonstrado interesse de participação.

As duas facetas dessa dinâmica comunicativa contemporânea se revelam ainda mais absurdas quando são postas em evidência em antessalas e salões de clínica médica, em momentos precedentes a um atendimento pressupondo busca para uma melhor saúde. A voz alta se torna inconveniente de tal maneira a chamar a atenção incomodada dos presentes. Os áudios e os vídeos se misturam em decibéis agressores e em temáticas confusas, conflitantes.

Adoecemos um pouco mais antes de chegarmos ao médico, se no ambiente de espera o clima é para a exasperação, bem distante da tranquilidade necessária. Mesmo visíveis os ainda resistentes anúncios de "Silêncio" (quando há), a ignorância a eles é real e profunda. No geral, vozes femininas, masculinas, infantis (perdoáveis, por serem infantis), ao vivo ou em transmissões via streaming, poluem o lugar com temas diversos e alturas sonoras desavergonhadas.

Terrível!!! Quem esteja lendo esse texto lembrará, com certeza, de pelo menos uma experiência (estou sendo econômico na ativação da lembrança, não é?) vivida do que aqui se trata. Um sofrimento intenso para quem foi ao local pensando em um atendimento respeitoso, consistente, tecnicamente perfeito do ponto de vista da medicina a partir do lugar de espera tornado irritante, muitas vezes, na vivência do contexto apresentado. Tal balbúrdia adulta, sem freio, é uma verdadeira “perturbação social”.

Acredito haver muitas concordâncias de vários possíveis e desejados leitores para com o dito aqui. Coloco alguns ingredientes. Você está silente em uma antessala, telefone no modo silencioso (como manda o figurino atual), tentando ficar compenetrado lendo um livro e aguardando ouvir seu nome ser chamado. Ao seu lado esquerdo, de um celular, histórias, risadas, vinhetas de canais e perfis inidentificáveis, mas bem perceptivos pela audição sofrente. Sim, eu sei, a melhor ideia seria mudar de lugar, mas... para onde?

Atrás de você se insurgem falas de personagens e músicas-temas alusivas a eles e elas de novela (da Globo?), acompanhadas de comentários entusiasmados sobre atitudes, figurinos, beleza estética dos e das personagens com extensão aos atores e atrizes que os representam. Uma festa de visão crítica inter-relacionando a vida na ficção com a vida na realidade, empenhando dos personagens características aos representantes deles, como se um fosse o outro e o outro fosse o um inequivocamente.

Vá lá!... Nessa situação específica, alguns trechos dos diálogos interpretativos são risíveis e até divertem pela mistura tragicômica de posicionamentos sobre os fatos novelescos. Quase todo mundo gosta também de filmes, de séries e de novelas. Gosto há muito tempo de novelas, porque sei de onde elas nasceram, além de boas séries e de bons filmes. Se as tramas são boas, inteligentes, cômicas ou dramáticas têm, sim, grande valor sociocultural. Mas o ambiente clínico fica poluído na ebulição dessas misturas.

De repente, assim, meio do nada e no meio de tudo, um senhor a quatro poltronas fala para todos ouvirem sua "importância" política no município... Sem freio, sem controle, sem filtro vai dizendo que fulano é mal caráter, que sicrana vai se arrepender de querer reeleição, que beltrano não merece crédito (é mentiroso, inconfiável), que já está tratando com o Dr...., que "aquele projeto" vai ficar parado até que as partes envolvidas se entendam com ele, com "humildade", com "pedido de desculpas"... "Tão pensando o que dele"? A arrogância de quem se sente cheio de poder – até o de interferir no dia de quem só deseja se consultar.

Não, não há intransigência em quem reclame por se achar em situação assim; entendo que pode haver cansaço, principalmente mental, de quem sai de casa antes do horário marcado, chega antes do horário de atendimento informado e se vê na obrigação de esperar, trinta, quarenta, cinquenta minutos ou hora e um pouco mais para ficar frente a frente com médico ou médica possível reparador(a) das condições de saúde. Um alívio.

Foto do Chico Araujo

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