Logo O POVO+
Inadmissível
Comentar
Foto de Chico Araujo
clique para exibir bio do colunista

Chico Araujo é cearense, licenciado em Letras, professor de Língua Portuguesa e de Literatura brasileira

Inadmissível

Qual o direito que qualquer homem tem sobre qualquer mulher? Em qualquer relação em que ela esteja, ela não deve ser entendida como "de posse" de um homem
Tipo Crônica
Comentar

Tudo indica, sim, que os seres “humanos” estamos caminhando a passos largos de volta ao passado, aos períodos de barbárie e atrocidades documentados pela História (ou já chegamos lá?). As múltiplas formas brutalidades contemporâneas às mulheres diz bem por onde tem caminhado a humanidade.

Em 19 de novembro de 2025, portal jornalístico estampou a seguinte manchete: "Quase uma em cada três mulheres no mundo sofre violência de gênero, alerta a OMS". De acordo com o órgão, aproximadamente 840 milhões de mulheres em vários lugares do mundo sofreram algum tipo de violência ao longo da vida, muitas vezes realizada pelo companheiro, marido, namorado. A Organização Mundial de Saúde ainda declarou em relatório que somente em 2024 316 milhões de mulheres sofreram violência física ou sexual do companheiro. Estarrecedor!

Pregoeiros do progresso “humano” e das sociedades propõem que o mundo mudou, para melhor, havendo melhores oportunidades para todos, mais respeito e igualdade em todas as sociedades, enfatizando que o avanço e popularização das tecnologias nos fizeram romper o século XX para termos melhores condições de existência a partir desse XXI. Como assim? Como se ousa afirmar que o mundo é um lugar melhor para se viver, sabendo-se de tantas violências gerais, genocídios em guerras, crimes contra crianças, feminicídios?

Balela! Falácia! Engano proposital. Além de as tecnologias não estarem sendo benéficas a todas as pessoas, pois nem sempre têm servido para o bem-estar das populações, não se pode insistir na validação de que o mundo é dos “homens”, enquanto as mulheres “devem cumprir sua existência” na condição de submissas, aceitando passivamente as determinações dos homens, submetendo-se a seus desejos, às suas ordens, sob pena de sofrerem penas das mais variadas além de brutais.

Isso é simplesmente INTOLERÁVEL!

Aqui no Brasil, no recente 6 de dezembro, o ator Bruno Gagliasso fez vídeo e o divulgou nas redes sociais pedindo em favor das mulheres. Bruno se revelou indignado com as múltiplas violências contra elas, pontuando, em sua fala, ser “impossível continuar calado enquanto mulheres estão sendo mortas. Estão sendo atropeladas, estão sendo espancadas, queimadas, violentadas todos os dias aqui no nosso país e do nosso lado”. O ator, no início, fez referência a sua mãe, que lhe deu a vida, a sua filha e a sua esposa, mulheres com quem convive e a quem respeita e ama.

Na mesma semana, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Edson Fachin, abrira a sessão do Tribunal de quinta-feira, dia 4, declarando ser inadmissível o país continuar tendo, todo dia, múltiplas e variadas agressões às mulheres, às crianças, meninas, expondo números estatísticos das violências sofridas por elas as quais classificou como "números aterradores".

No final de semana, entre os dias 5 e 7 de dezembro, em várias cidades do país se realizaram atos públicos e passeatas, debates em redes sociais, demarcando posicionamento político-social em defesa das mulheres, uma busca de mais uma vez chamar a atenção de todas as pessoas comuns, autoridades policiais e jurídicas para as brutalidades que elas têm sofrido em todo o território nacional. Em uma grande cidade, um motoqueiro, certamente um “macho”, dificilmente um “homem”, tentou jogar sua moto contra os manifestantes, forçando sua passagem por avenida bloqueada.

Quem somos nós, homens, nesse um quarto de século? Por que ao invés de melhorarmos com as transformações indiscutíveis preferimos nos manter dentro de comportamentos violentos que remontam aos tempos de barbáries? Por que insistir na ideia de que a mulher é de nossa posse, seja qual for a condição de existência dela, se em um casamento, se em namoro, se em relação afetiva sem maiores compromissos, se em relação estável, se em paquera na vizinhança, se em relacionamento profissional de trabalho...?

Qual o direito que qualquer homem tem sobre qualquer mulher? Em qualquer relação em que ela esteja, ela não deve ser entendida como "de posse" de um homem. Fico pensando: por que continuamos fazendo o que fazemos, por que permanecemos arraigados à ideia de que elas nos pertencem? Há leis que protegem as mulheres, mas nós não respeitamos as leis muito menos as mulheres. E se as leis penais aplicáveis a todos aqueles que maltratam mulheres se tornassem mais duras, mais contundentes? Talvez, em maior rigor penal, nós nos amedrontássemos e passássemos, à força da lei, a termos melhor comportamento em relação a elas. Mas como fazer isso, se deputados e senadores, deputadas e senadoras (sim, elas também) estão mais preocupados e preocupadas em legislar em causa própria, criando e votando leis que lhes são protetoras?

O machismo é postura generalizada e cultural e precisa ser neutralizado em casa, em família, logo nos primeiros momentos da educação infantil, sob pena de se ver crescer, cada vez mais e sem freios, a desprezível “macheza” que faz desaparecer no homem sua civilidade e aflorar sua abjeta agressividade.

Foto do Chico Araujo

A soma da Literatura, das histórias cotidianas e a paixão pela escrita. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.

O que você achou desse conteúdo?