Chico Araujo é cearense, licenciado em Letras, professor de Língua Portuguesa e de Literatura brasileira
Chico Araujo é cearense, licenciado em Letras, professor de Língua Portuguesa e de Literatura brasileira
É necessário voltar ao livro "1984", de George Orwell, publicado originalmente em junho de 1949, e hoje contando com muitas reimpressões e novas edições no mundo inteiro.
As reimpressões e novas edições oscilam entre críticas, especiais, populares, em capa dura, porém mantendo a originalidade do texto de Orwell, como não poderia deixar de ser. Relembro o ponto básico da história: em uma sociedade subjugada ao autoritarismo de um mandatário autocrata, a verdade é ingrediente que se renova a cada novo instante, fundamentada em uma história recriada politicamente, de acordo com a necessidade e o desejo de quem comanda toda a sociedade.
O escritor, lá na metade do século XX, para tecer profundas críticas aos sistemas de governo autoritários, projetou em seu romance distópico o ano de 1984, ou seja, 35 anos após o lançamento de seu livro. Esse avanço temporal deu ao livro uma condição impressionante de antecipar um futuro que onde uma sociedade e seus cidadãos estariam totalmente subjugadas a um sistema de governo que os engana, os explora, os ilude e, quando contrariado, lança mão do desaparecimento do contrariante, reescrevendo, inclusive, sua história de vida para torná-lo um inimigo das boas coisas existentes.
A distopia de Orwell vê-se, de maneira muito mais sofisticada, nesse 2025, 66 anos, portanto, após a publicação do livro. Em vários lugares do mundo, sociedades estão sendo observadas, espreitadas, seduzidas, conduzidas, organizadas de acordo com os interesses de grandes irmãos, muitas vezes unidos para, imperiosamente, subverter tudo em favor daquilo que lhes seja mais conveniente.
A cada dia, consciente ou inconscientemente, entregamos nossa existência a quem tem o domínio de algoritmos em plataformas e outros ambientes digitais. Ali, entregamos nosso nome, nosso endereço, nossos familiares, nossas aspirações, nossos gostos e prazeres, enfim, entregamos tudo o que temos e que nos identifica, nos condiciona como pessoas cidadãs a quem nem sabemos bem quem seja e o que fará com nossos dados, com nossas informações.
Quando fazemos compras à distância, em lojas e sites on-line, depomos lá nossos dados. Quando vamos a uma farmácia, atendentes logo perguntam por nossa identificação geral e rapidamente alcançam dados componentes de nossos perfis. Nas redes sociais, deliberadamente, vamos nos declarando ao mundo, dizendo quem somos, o que e como pensamos, nossos maiores desejos, nossas inclinações artísticas e profissionais, nossas tendências ideológicas e muito mais. Em todo lugar, o que fazemos e dizemos vai para um cadastro.
O escritor inglês, nascido na Índia Britânica Eric Arthur Blair, com sua verve ficcionista super aguçada, olhava para o passado ao desenvolver sua narrativa e punha-se em objeção a qualquer governo totalitário. Criou o universo em distopia de 1984 como um alerta à humanidade para que não permitisse mais totalitarismos no mundo. Certamente, pela crítica contundente feita, sabia da possibilidade de governos ditatoriais se espalharem pelo mundo, impondo a sociedades violências, terror, destruição.
Mesmo tendo acertado em sua “previsão ficcional”, entendo que Orwell não pensara, jamais, na complexidade tecnológica existente nesse século XXI. Estamos presos em um mundo de pouca compreensão lúcida. Em boa parte do nosso dia, sabemos que podemos estar sendo enganados, porém já não temos ciência perfeita de quando, onde e por quem. Estamos confusos em um mundo tornado confuso por quem tem interesse de que ele assim esteja e seja. O advento da pós-verdade tem nos jogado nesse buraco negro que é não saber se o que se diz, se o que se sabe é realmente verdade, mesmo que tenha um pouco de verdade, mesmo que pareça verdade completa.
Os super ricos bilionários donos de plataformas e redes sociais, além de saberem tudo o que querem sobre nós, ainda estão nos condicionando a termos como verdade o que circula nos ambientes disponibilizados aos usuários. Com falsas verdades, com mentiras sólidas, mas divulgadas como verdades, estão nos dirigindo política, social e economicamente para seus interesses e os de seus amigos próximos, estão subvertendo sociedades e estruturas políticas, como a do Brasil, onde se sabe funcionar um congresso antipovo, um congresso legislador de interesses próprios.
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