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Netflix: A construção de uma obsessão no terror "A nuvem"
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João Gabriel Tréz é repórter de cultura do O POVO e filiado à Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine). É presidente do júri do Troféu Samburá, concedido pelo Vida&Arte e Fundação Demócrito Rocha no Cine Ceará. Em 2019, participou do Júri da Crítica do 13° For Rainbow.

João Gabriel Tréz arte e cultura

Netflix: A construção de uma obsessão no terror "A nuvem"

No longa francês "A Nuvem", uma fazenda de gafanhotos é o cenário para o desenvolvimento de uma trama de horror irregular pautada em relações familiares
Tipo Opinião
Virginie Hébrard (Suliana Brahim) é uma mãe solo que cuida dos dois filhos a partir do trabalho em uma fazenda de criação de gafanhotos em 'A Nuvem' (Foto: Netflix / divulgação)
Foto: Netflix / divulgação Virginie Hébrard (Suliana Brahim) é uma mãe solo que cuida dos dois filhos a partir do trabalho em uma fazenda de criação de gafanhotos em 'A Nuvem'

Apesar de "A Nuvem" ser catalogado como um filme de terror e fantasia, grande parte do desenrolar da produção francesa se dá a partir de fatos "concretos" - estranhos, decerto, mas que não deixam de lado alguma plausibilidade. No longa, Virginie Hébrard (Suliana Brahim) é uma mãe solo que cuida dos dois filhos a partir do trabalho em uma fazenda de criação de gafanhotos. O ganha-pão soa inusitado de partida, mas tanto os insetos podem ser comidos por humanos quanto ser usados como ração para outros animais. O negócio, porém, se revela uma dor de cabeça tanto para ela - uma vez que os gafanhotos começam a ter problemas para se reproduzir e isso afeta os lucros obtidos - quanto para a filha mais velha, Laura - já que, para a adolescente, o trabalho da mãe é causador de bullying e motivo de vergonha. A partir deste panorama, "A Nuvem" constrói uma narrativa irregular, mas envolvente.

O horror não se revela prontamente no longa, que opta por uma construção mais demorada. O tom da produção até pelo menos o primeiro terço é muito mais aliado a uma ideia de "mais um" drama familiar do que a uma narrativa de gênero. O desconforto da filha com a fazenda revela um tensionamento interno no núcleo e, além disso, a ausência do pai é pincelada como um fator também de problemas.

Não há muitas explicações acerca disso, mas há sugestões - pouco aproveitadas, ressalte-se. O que se apreende é que a família, quando o pai era vivo, criava cabras, mas algo não especificado ocorreu e fez com que o foco do negócio fosse alterado após o falecimento dele. Uma cabra restante, Huguette, é cuidada pelo caçula, Gaston.

Quando a trama começa, a crise na família já está estabelecida, tanto do ponto de vista pessoal quanto no de negócios, já que a criação de gafanhotos já se encontra em situação crítica, com as vendas desvalorizadas e a produção em baixa. Isso significa, então, que Virginie se vê sem conseguir dar conta totalmente da vida dos filhos e do cuidado da casa. Até aí, o fato desta trama rodear uma fazenda de insetos é estabelecido mais como algo inusitado do que de fato bizarro.

A virada de chave se dá quase na metade da duração - o que depõe sobre o ritmo lento e gradual do começo de "A Nuvem" -, quando Virginie tem uma crise e destrói a estrutura do criadouro, machucando-se no processo e caindo desmaiada. Ao acordar, está com vários insetos sobre seu corpo. A partir disso, descobre uma forma pouco ortodoxa de fortalecê-los.

Virginie Hébrard (Suliana Brahim) é uma mãe solo que cuida dos dois filhos a partir do trabalho em uma fazenda de criação de gafanhotos em 'A Nuvem'(Foto: Netflix / divulgação)
Foto: Netflix / divulgação Virginie Hébrard (Suliana Brahim) é uma mãe solo que cuida dos dois filhos a partir do trabalho em uma fazenda de criação de gafanhotos em 'A Nuvem'

É a partir da segunda metade que se desenvolve uma escalada de terror "concreto" no longa, assimilando aspectos de "subgêneros" como o filme de catástrofe e de monstros. Evitando revelações mais frontais, é possível adiantar que o método descoberto envolve violência. O comprometimento da protagonista com a ideia de conseguir retomar a produção na fazenda faz com que ela perca limites e entre numa espiral de ações inconsequentes e extremadas.

É curioso que o filme opte por esse caminho, mas o faça de forma extremamente econômica, sem contar essa história de forma tão grandiosa. O elemento de fantasia é inegável, mas "A Nuvem" segue querendo se desenvolver com os "pés no chão". Há, naturalmente, cenas mais visualmente desafiadoras e gráficas, mas tudo é quase sempre construído em um tom a menos.

Essa economia de abordagem é um fator a se ressaltar na produção. Com certa crueza na forma, o filme é quase literal em certo sentido. A história contada, ali, é literalmente a de uma família tendo que lidar com as consequências de uma espécie de mutação nos gafanhotos que cria.

Decerto é possível fazer leituras de "mensagens" que estejam impressas na trama - como questões de maternidade e capitalismo, por exemplo -, mas o terror em "A Nuvem" soa mais concreto e menos simbólico. O interesse do filme, enfim, se concentra mais nos fatos em si do que nos subtextos, o que é decisão corajosa - tanto pelo que ela traz de irregular, quanto pelo que traz de positivo.

A Nuvem

Já disponível na Netflix

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