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Produzida antes da pandemia, ficção "A Nuvem Rosa" ecoa a realidade
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João Gabriel Tréz é repórter de cultura do O POVO e filiado à Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine). É presidente do júri do Troféu Samburá, concedido pelo Vida&Arte e Fundação Demócrito Rocha no Cine Ceará. Em 2019, participou do Júri da Crítica do 13° For Rainbow.

João Gabriel Tréz arte e cultura

Produzida antes da pandemia, ficção "A Nuvem Rosa" ecoa a realidade

Com paralelos com a pandemia mesmo filmado antes, "A Nuvem Rosa" parte da ficção científica para discutir isolamento e termina refletindo experiências factuais
Tipo Opinião
Longa de estreia de Iuli Gerbase, 'A Nuvem Rosa' foi exibido no Festival de Sundance de 2021 (Foto: divulgação)
Foto: divulgação Longa de estreia de Iuli Gerbase, 'A Nuvem Rosa' foi exibido no Festival de Sundance de 2021

A cartela de abertura do filme explicita de partida: "Este filme foi escrito em 2017 e filmado em 2019. Qualquer semelhança com fatos reais é mera coincidência". A necessidade desta advertência veio porque a ficção científica "A Nuvem Rosa", da gaúcha Iuli Gerbase, é semelhante demais à realidade para o fato não ser avisado. Apresentando um universo onde o surgimento de uma nuvem rosa tóxica impõe às pessoas de todo o mundo a necessidade de isolamento, a produção parte da proposta para desvelar a relação de um casal casual no desafiador contexto. O que a equipe não esperava, porém, era que a trama fictícia fosse ter paralelo extremo com a realidade.

A narrativa é aberta com uma sequência com elementos de suspense, acompanhada de uma trilha cortante e composta por planos abertos que dão destaque ao céu, paulatinamente invadido pela tal nuvem rosa. A abertura dá lugar, então, a uma espécie de rápido flashback para a noite anterior, quando Giovana (Renata de Lélis) e Yago (Eduardo Mendonça) têm uma transa casual em um apartamento que pertence à família dela.

Na manhã seguinte, eles acordam na varanda e, rapidamente, ouvem uma sirene e um recado: "Fechem todas as suas janelas e portas agora". Em pouco mais de cinco minutos de duração, o longa instaura a situação que norteia a trama. O ritmo intenso é, de fato, um dos elementos que marcam a construção dramatúrgica de "A Nuvem Rosa".

Diferentes fases do processo que envolve a situação proposta pela narrativa - o desespero inicial, que é fruto do desconhecimento, as adaptações e uma espécie de aclimatação ao novo contexto - são rápida e seguidamente estabelecidas na produção.

Sem explicações sobre o que é ou pode ter ocasionado o fenômeno da nuvem rosa, o longa não busca se estabelecer como um "filme de catástrofe", como "2012" ou "Impacto Profundo", mas sim como um drama psicológico que foca nas microrrelações. Afinal, Giovana e Yago são verdadeiros desconhecidos e se veem obrigados a conviver em confinamento total.

A cada passo, diferentes encaixes vão sendo acordados entre os dois. Se eles começam o período de uma maneira apenas amigável, acabam se deixando levar pelos desejos e estabelecem um relacionamento amoroso concreto, por exemplo.

Não é incomum que o gênero da ficção científica seja utilizado como ferramenta para elaborar questões contemporâneas, sejam íntimas ou sociais, mas é difícil - e até contraproducente, em verdade - tentar arriscar qual a "motivação" da diretora e roteirista ao optar por tal narrativa como metáfora. No entanto, a proposição caminha especialmente a partir do interesse de refletir sobre os níveis de compromisso de uma relação.

Os paralelos com o contexto pandêmico global, porém, acabam se sobrepondo a qualquer outra possibilidade de leitura. É por isso que "A Nuvem Rosa", visto em 2021, com os acúmulos de um ano e meio de uma pandemia real, soa irregular, equilibrando-se entre a proposta fechada de uma narrativa fictícia e os inevitáveis reconhecimentos do real que teimam em se suceder.

Filmes de pandemia "acidentais" não são exatamente inéditos - é possível citar do mais distante e óbvio "Contágio" (2011), que há uma década criou uma história sobre uma doença bastante contagiosa que se espalhava por todo o mundo, ao recente e aparentemente distante do tema "Amor e Monstros" (2020), comédia romântica de aventura da Netflix -, mas eles acabam atuando no ingrato papel de não apenas ecoar sentimentos e sensações que ainda nem elaboramos de fato, mas também, infortunadamente, criar paralelos negativos entre a história e a realidade.

Evitando revelações mais frontais da trama, é possível afirmar que as relações das personagens com a nuvem rosa encontram paralelos questionáveis no cenário factual. São coincidências, é evidente, então não seria possível prever essas relações. No entanto, se em "condições naturais de pressão e temperatura" as imbricações entre cinema e vida são intransponíveis, em um contexto como o atual isso se reforça ainda mais, seja para uma experiência positiva ou negativa.

Leia também | Confira matérias e críticas sobre audiovisual na coluna Cinema&Séries, com João Gabriel Tréz

A Nuvem Rosa

Quando: estreia hoje, 2
Onde: Streaming do Telecine e no canal Telecine Premium, com exibição às 20 horas

Podcast Vida&Arte
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