João Gabriel Tréz é repórter de cultura do O POVO e filiado à Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine). É presidente do júri do Troféu Samburá, concedido pelo Vida&Arte e Fundação Demócrito Rocha no Cine Ceará. Em 2019, participou do Júri da Crítica do 13° For Rainbow.
"Matrix Resurrections" é um filme cuja existência, em si, soa quase contraditória. As próprias criadoras da franquia, as irmãs Lana e Lilly Wachowski, falavam desde 2003, ano do lançamento das partes 2 e 3 do universo inaugurado em 1999, que a história já havia terminado. Mesmo assim, a produtora Warner Brothers pressionou por uma nova sequência, que seria realizada com ou sem a presença delas. Lilly abriu mão, enquanto Lana, mesmo a contragosto, embarcou no projeto ao encontrar nele uma possibilidade de lidar com o próprio luto após perder o pai e a mãe. A partir deste contexto, a cineasta construiu um filme movida, ao mesmo tempo, por afeto e pressão, configurando um arrojado e emocionante retrato sobre criação e amor.
Em 1999, "Matrix" propôs uma reflexão — misturando filosofia, tecnologia e ação — sobre o livre-arbítrio e o que pode ser considerado realidade a partir da história de Neo (Keanu Reeves). Um hacker que leva uma vida banal, ele se vê confrontado com a oportunidade de descobrir a verdade por trás do mundo no qual está inserido.
Figuras como o protagonista, Morpheus (Lawrence Fishburne) e Trinity (Carrie-Anne Moss) se tornaram referenciais na cultura pop, bem como elementos icônicos da trilogia, dos figurinos futuristas aos efeitos especiais das balas, passando pela metáfora das pílulas vermelha ou azul. Estendida por mais dois filmes, a criação teve um ponto final redondo e permaneceu nas discussões pelo impacto conquistado.
Para o quarto filme — sem revelações frontais do enredo, que merece ser descoberto na própria sessão —, a estrutura básica do primeiro filme é retomada em um exercício autorreferente que, pelas intensas opiniões polarizadas frente à obra, vem cumprindo bem o papel provocador ao qual se propõe.
Há uma autoconsciência muito forte, tanto na camada ficcional interna do filme quanto na criação factual dele, acerca da repetição da dinâmica narrativa. Tal aspecto é acentuado seja se pensarmos pelo ponto de vista da reflexão sobre o eterno looping ao qual somos sujeitados pelas estruturas sociais, seja pelo da constante retomada de certos contextos históricos — e vale lembrar, aqui, a citação direta que o filme faz a Marx, sobre a história se repetir primeiro como tragédia e depois como farsa.
Entre fãs das obras originais, há comentários de desgosto que reclamam que o quarto filme "destrói" ou "desrespeita" o universo criado anteriormente. É curioso que eles tenham mais apego à franquia do que a própria criadora, que opta por brincar com a criação ao invés de levá-la a ferro e fogo.
A "segurança" demandada por pressões externas se configura como uma forma de limitação. Pelo afeto, porém, a diretora estabelece outras formas de segurança, mais ligadas, até contraditoriamente, ao risco. Há confiança, afinal, em se despojar do barulho excessivo ao redor e focar em ser o que se quer ser.
E o que são a franquia "Matrix" e "Matrix Resurrections", afinal, como já há muito se apregoa, se não uma história sobre o poder do amor e o que ele nos oferece? O amor de Trinity e Neo, naturalmente, é o grande e frontal exemplo disso, mas há também, aqui, muito amor de Lana para as personagens, a própria criação, a memória dos pais. Pode soar piegas, e talvez o seja, mas "espalhar a palavra" do amor da forma como o filme faz é um gesto corajoso e que ensina bastante sobre formas de lidar com o que é adverso.
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