"Roda do Destino" brinca com crenças e fantasias amorosas
João Gabriel Tréz é repórter de cultura do O POVO e filiado à Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine). É presidente do júri do Troféu Samburá, concedido pelo Vida&Arte e Fundação Demócrito Rocha no Cine Ceará. Em 2019, participou do Júri da Crítica do 13° For Rainbow.
O acaso, a atração e a circunstância são elementos que se aproximam de uma ideia de fantasia quando se fala de relacionamentos amorosos. Afinal, quais as chances de trombar com uma paixão mal resolvida do passado numa rápida viagem de volta para casa? É por meio de situações como essas que o cineasta japonês Ryûsuke Hamaguchi elabora, em três episódios independentes, reflexões sobre afeto, crença e coincidência no drama romântico "Roda do Destino".
Filmes episódicos costumam ser naturalmente irregulares por conta da própria estrutura, mas a produção de Hamaguchi é um exemplar dos mais bem-sucedidos do tipo. Conseguindo se equilibrar entre unidades temáticas e estéticas — marcadamente, por exemplo, no uso da música, no registro de atuações e na abordagem aos temas — e independência entre as partes, o filme é não apenas constantemente bom, como melhora a cada desenvolvimento narrativo.
Essa qualidade de constante evolução depõe de forma direta sobre a precisão do comando e da escrita de Hamaguchi. Ao mesmo tempo em que o diretor e roteirista imprime leveza e desafetação na obra, ela é, também, extremamente calculada e pensada. A dicotomia entre abstração e concretude é frontalmente exemplificada pela ideia de fantasia que o filme constrói.
Ao mesmo tempo que não traz nada de "fantástico" na concepção mais comum ou até óbvia do termo, "Roda do Destino" estabelece, a partir do tom e do ritmo, uma espécie de suspensão de uma realidade mais plana e simples, seja a partir do piano constante, do tempo que dispõe para longos diálogos ou da economia de movimentos de câmera.
No primeiro episódio, "Mágica (ou Algo Menos Assegurador)", o ponto de partida são as coincidências que ligam o ex-namorado ao atual de duas amigas. Já em "Porta Bem Aberta", uma vingança contra um professor se desenrola de maneira surpreendente. Finalmente, "Outra Vez" traz como mote o reencontro por acaso de duas mulheres que acreditam serem amigas de escola.
A narrativa de cada segmento se concentra majoritariamente em tempos e locais específicos e demarcados — mesmo naqueles com elipses temporais internas —, mas cada troca, diálogo, relação e reação pintam um retrato amplo de contextos que vão além do que se vê, dando conta de histórias e sentimentos pregressos entre as personagens.
No primeiro episódio, por exemplo, uma conversa desajeitada é resolvida com um recurso de montagem que propõe outra conclusão. Já no segundo, a metalinguagem cumpre um papel essencial para a história, uma vez que a base de desenvolvimento da história é uma longa cena da leitura de uma sequência erótica de um livro que põe em questão o conteúdo — do livro fictício e do próprio filme — de forma irônica.
Finalmente, o ápice de "Roda do Destino" se dá no jogo de acreditar e fazer acreditar que se desenrola no segmento de conclusão, que emula não só o próprio jogo da atuação, mas também o acordo tácito de crença firmado entre o público e uma obra. Aceitar o fazer de conta, afinal, é premissa básica para aceitar não só as coincidências de um filme, mas também dos mistérios e magias que a própria vida dá conta de oferecer.
Roda do Destino
Quando: estreia nesta quinta, 6
Onde: Cinema do Dragão (rua Dragão do Mar, 81, Praia de Iracema)
Quanto: R$ 16 (inteira), com preço promocional de R$ 10 (inteira) às terças
Esse conteúdo é de acesso exclusivo aos assinantes do OP+
Filmes, documentários, clube de descontos, reportagens, colunistas, jornal e muito mais
Conteúdo exclusivo para assinantes do OPOVO+. Já é assinante?
Entrar.
Estamos disponibilizando gratuitamente um conteúdo de acesso exclusivo de assinantes. Para mais colunas, vídeos e reportagens especiais como essas assine OPOVO +.