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Oscar 2022: Global, mas nem tanto
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João Gabriel Tréz é repórter de cultura do O POVO e filiado à Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine). É presidente do júri do Troféu Samburá, concedido pelo Vida&Arte e Fundação Demócrito Rocha no Cine Ceará. Em 2019, participou do Júri da Crítica do 13° For Rainbow.

João Gabriel Tréz arte e cultura

Oscar 2022: Global, mas nem tanto

Presença de filmes que não são dos EUA em diversas categorias do Oscar neste ano reforça bem-vinda internacionalização da premiação, ainda que avanços sejam limitados
Tipo Análise
O drama japonês 'Drive My Car', de Ryûsuke Hamaguchi, foi indicado a quatro Oscars, incluindo Melhor Filme e Direção                      (Foto: fotos divulgação)
Foto: fotos divulgação O drama japonês 'Drive My Car', de Ryûsuke Hamaguchi, foi indicado a quatro Oscars, incluindo Melhor Filme e Direção

De acordo com uma análise preliminar da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, divulgada no site IndieWire, quase 52% das indicações ao Oscar em 2022 foram para obras ou artistas de fora dos Estados Unidos. Uma forte presença global não é necessariamente algo inédito no prêmio, mas o espalhamento de produções "estrangeiras" — pelo menos aos EUA — em várias categorias, incluindo Melhor Filme, foi robusto e indica tanto avanços quanto pontos-cegos da premiação.

O representante em língua não-inglesa que mais despontou neste ano é o drama japonês "Drive My Car", do japonês Ryûsuke Hamaguchi. O filme é o 12º em outro idioma, além do inglês, a ser indicado a Melhor Filme (em uma conta que não considera o francês e mudo "O Artista" e o bilíngue e produzido pelos EUA "Minari" — que se destaca pela vitória, em 2021, da atriz sul-coreana Youn Yuh-jung).

Metade das indicações de filmes estrangeiros na categoria principal ocorreu até a 72ª edição do Oscar. A outra metade, nas últimas 22 edições. Das seis mais recentes, três aconteceram nos últimos quatro anos.

O movimento pode ser fruto da entrada acentuada de novos membros de fora dos EUA na Academia nos últimos anos. Conforme o jornalista Scott Feinberg, o percentual saltou de 12% em 2015 para 25% atualmente. Apesar do bloco de votantes estrangeiros não ser, naturalmente, uniforme, ele é inegavelmente menos reticente quanto à legendagem.

A possibilidade da presença de "Drive My Car" na lista de indicações veio se concretizando com o apoio crítico ao filme, que foi premiado como o melhor do ano passado por três das principais associações especializadas dos EUA. O longa conquistou, além de Melhor Filme, outras três indicações: Melhor Filme Internacional, Roteiro Adaptado e Direção.

Junto de "Drive My Car" — que estava sem distribuidor no Brasil até o dia seguinte ao anúncio das indicações do Oscar, quando teve os direitos adquiridos pela Mubi —, outros três longas não-anglófonos conseguiram indicações também surpreendentes em categorias diversas.

"A Pior Pessoa do Mundo", comédia dramática norueguesa de Joachim Trier, teve indicação a Melhor Filme Internacional e rompeu a barreira em Melhor Roteiro Original. Já "Mães Paralelas", de Pedro Almodóvar, que não teve sequer como ser cogitado na categoria específica de produção estrangeira por não ter sido escolhido para representar a Espanha, apareceu em Melhor Trilha Sonora e Melhor Atriz (Penélope Cruz). Chama ainda mais atenção o caso da produção dinamarquesa "Fuga", que foi indicada como Melhor Filme Internacional, Melhor Documentário e Melhor Animação.

Observando a história recente de filmes em língua não-inglesa presentes no Oscar, é possível notar certos padrões. Em categorias como Animação e Documentário, é até comum a presença de obras internacionais — o Brasil já figurou na lista em 2020, com "Democracia em Vertigem". Em Direção, há históricoconsiderável de indicações para cineastas não-estadunidenses, seja por produções dos EUA ou internacionais.

Já em Roteiro Adaptado, por exemplo, "Drive My Car" é o 1º estrangeiro indicado desde 2006. As categorias de atuação, por sua vez, revelam que é mais fácil conseguir menção entre os finalistas caso o artista seja europeu e já reconhecido. A atual indicação de Penélope Cruz é a 3ª da atriz.

No século XXI, foram 26 intérpretes que conseguiram indicações em língua não-inglesa, em um universo de 440 nomes (já que, a cada ano, são 20 as vagas nas categorias de atuação). Menos da metade, precisamente 11, foram para artistas da Ásia, América Latina e África.

"Parasita" segue sendo paradigmático, um ponto fora da curva mesmo no histórico recente das produções não-anglófonas, mas nem ele — que reuniu bom timing, repercussão crítica e aceitação de público, aspectos não necessariamente controláveis em uma disputa como a do Oscar — conseguiu emplacar o elenco nas indicações. Se o filme sul-coreano seguirá sendo por muito mais tempo ainda o único a triunfar, é difícil e desnecessário tentar prever. Um olhar para os movimentos recentes, porém, reforça a impressão de que cada vez mais indicações menos centradas nos EUA se somarão nos próximos anos e a "globalização" do Oscar pode se tornar, enfim, uma bem-vinda realidade.

Foto do João Gabriel Tréz

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