Documentário apresenta história de jóquei cearense na Coreia do Sul
João Gabriel Tréz é repórter de cultura do O POVO e filiado à Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine). É presidente do júri do Troféu Samburá, concedido pelo Vida&Arte e Fundação Demócrito Rocha no Cine Ceará. Em 2019, participou do Júri da Crítica do 13° For Rainbow.
"Tem cearense em todo canto do mundo". A máxima é repetida a cada evento global que, quando repercute na mídia do Ceará, acaba encontrando alguém nascido no Estado para compartilhar informações "direto da fonte". A piada guarda uma graça fundada em um senso de orgulho forte, decerto, mas carrega em si também a complexa e fundante relação do cearense com a migração. O embate entre a ligação firme com a terra natal e a necessidade de deixá-la marca a trajetória de Antonio Davielson, o protagonista do documentário "Um Jóquei Cearense na Coreia". Dirigido por Guto Parente e Mi-Kyung Oh, o filme será exibido on-line nesta sexta, 8, na programação do Festival É Tudo Verdade.
Co-produção entre o Brasil e a Coreia do Sul, o documentário acompanha a vida de Antonio trabalhando como jóquei em eventos esportivos no país asiático, onde mora com a esposa Kelly e a filha pequena Luise. Apostando em uma observação participante, o longa segue o atleta tanto no ambiente das competições quanto no doméstico, montando aos poucos um retrato do protagonista.
Apesar desse acompanhamento íntimo, e até conversado — em determinada altura, o protagonista apresenta a alguém os "amigos" Guto e Lucas, em referência ao diretor Guto Parente e ao responsável pelo som Lucas Coelho, que compõem a equipe que "segue" o dia-a-dia de Antonio —, não há exatamente uma minuciosa explanação dos contextos que possibilitaram a ida dele à Coreia ou detalhes sobre como e onde ele formou a família, por exemplo.
Essa ausência, no entanto, não se revela enquanto uma falta de fato, uma vez que "Um Jóquei Cearense na Coreia" encontra a maior força justamente em focar no "aqui e agora" do protagonista. O filme concentra, inclusive, a maioria das suas imagens no presente de Antonio, evitando lançar mão de muitos registros de arquivo além de algumas fotos de família que aparecem pontualmente.
Essa decisão reforça a ideia da "observação participante" referida anteriormente. Variando entre momentos de um observacional implicado naquele cotidiano e outros que apostam no uso das chamadas "talking heads" ("cabeças falantes" em inglês, entrevistas diretas com as personagens), o documentário ressoa muito a partir da carismática e aberta figura do protagonista.
Entre os registros que compõem a obra, há as tentativas de Antonio em se comunicar em inglês com um colega, a presença dele como grande homenageado em um evento de jóquei no país e as trocas familiares com a esposa e a filha.
Outros, porém, ganham relevo especial pelo caráter mais frontalmente emotivo. São eles, de maneira mais relevante, os que trazem entrevistas diretas somente com o protagonista. Nesses, as marcas de forte nostalgia e senso de pertencimento à terra natal se sobressaem a partir do compartilhamento de lembranças da vida dele no Ceará, que vão do início do gosto por montaria às dificuldades financeiras experienciadas na infância.
Nestes trechos, que imageticamente se restringem, basicamente, ao tempo e espaço onde o depoimento está sendo proferido, a carga se constrói justamente a partir da emoção até desconcertante do protagonista.O cenário da época recontada se constrói na mente do público a cada memória dividida por Antonio.
As alegrias do acolhimento em terras estrangeiras e da busca pelos sonhos, enfim, coexistem com as saudades de casa e os planos expressamente enunciados de deixar a Coreia, no mínimo, por um país mais próximo do Brasil para, pelo menos, os fusos horários também serem mais aproximados — como afirma taxativamente Kelly, esposa de Antonio, por algumas vezes durante o filme.
Sensações e gestos aparentemente contraditórios entre si, enfim, coexistem para o jóquei, dividido entre sentir-se acolhido e, também, desterrado; ter saudades, mas também buscar se encaixar para melhor se adaptar. O balanço entre os sentimentos é complexo, errante e simbólico para um sem-número de pessoas que podem se identificar com a situação.
O autor russo Leon Tolstói defendia a ideia de que, para falar do mundo, bastava primeiro falar da própria aldeia. "Um Jóquei Cearense na Coreia" mergulha nas subjetividades do protagonista para apresentar complexificações das noções de especificidade e universalidade.
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