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Publicação reúne reflexões em torno de crítica e curadoria no Brasil
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João Gabriel Tréz é repórter de cultura do O POVO e filiado à Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine). É presidente do júri do Troféu Samburá, concedido pelo Vida&Arte e Fundação Demócrito Rocha no Cine Ceará. Em 2019, participou do Júri da Crítica do 13° For Rainbow.

João Gabriel Tréz arte e cultura

Publicação reúne reflexões em torno de crítica e curadoria no Brasil

Publicada pelo selo editorial da UFMG, "Crítica e curadoria em cinema: múltiplas abordagens" já está disponível para download gratuito
Tipo Notícia
Capa de
Foto: reprodução Capa de "Crítica e curadoria no cinema: múltiplas abordagens", publicado pelo selo editorial da Universidade Federal de Minas Gerais

Entre a defesa do francês Jean Douchet, em 1961, de que a prática da crítica de cinema deveria independer de contextos, embates e causas sociais e a "nova cinefilia" proposta pelo pesquisador Girish Shambu em 2019 que defende uma prática mais subjetiva, diversa e porosa ao mundo, se passaram não somente quase 60 anos, mas uma série de mudanças de paradigmas sociais, jornalísticos, audiovisuais e tecnológicos. O mundo não é mais o mesmo e, decerto, a crítica de cinema também não.

No contexto brasileiro, somam-se experiências que aprofundam e complexificam o debate público sobre não somente a crítica, mas também a curadoria ligada ao segmento audiovisual. Desponta, agora, a publicação "Crítica e curadoria em cinema: múltiplas abordagens" — organizada pelo professor Laécio Rodrigues e publicada por selo editorial da Universidade Federal de Minas Gerais —, que propõe uma reunião inédita de reflexões em torno das duas práticas. Em entrevista à coluna, o organizador da obra fala sobre lugar da crítica hoje, relação entre os campos e mais temas.

O POVO - A concretização da obra parte de uma citada "escassez de textos recentes em língua portuguesa" sobre crítica e curadoria, apesar dos temas serem cada vez mais debatidos e pensados. A quê você credita essa ausência?

Láecio Rodrigues - A obra deriva de duas disciplinas que ofertei ainda de modo online na UFPE, no contexto da pandemia, em que a gente discutiu a prática da crítica e da curadoria na atualidade, tendo em conta a especificidade do Brasil. Notei que os textos existentes em português se referiam a práticas um pouco já defasadas e que os debates interessantes, quando existiam, estavam em algum fórum, revista online, alguma plataforma. Não estavam sistematizados. Era um pouco difícil de reunir esse material. Tem muita gente pensando nos dois campos, mas de alguma forma não sistematizando essas ideias. Como as disciplinas foram bem sucedidas e tinham um material rico como ponto de partida, pensei na organização do livro para tentar de algum modo minimizar a lacuna e atualizar o debate.

OP- A partir da intenção de reunir reflexões recentes sobre os temas, como se deram, na prática, as escolhas pelos temas destacados e a busca pelas colaborações que constam na publicação?

Laécio - A partir dessas duas disciplinas e de algumas leituras — o campo do cinema é meu campo de investigação —, identifiquei algumas possibilidades de abordagem que seriam interessantes e também, tendo em vista as pessoas que convidei para as disciplinas, acolhi sugestões e indicações. É preciso ressaltar que busquei diversificar o número de colaboradores tanto das perspectivas de gênero, faixa etária e geográfica, mas bastante atento a pessoas que começaram a escrever e pensar os ofícios a partir dos anos 2000. Foi uma cadeia colaborativa e de disponibilidade dentro do possível no contexto de ainda imersão na pandemia e tentativa de retorno à normalidade.

OP - A abertura do livro confronta os ideais de crítica do francês Jean Douchet e do pesquisador indiano radicado nos EUA Girish Shambu. Que mudanças de paradigmas e contextos entre os séculos XX e XXI você compreende como centrais para a renovação dos entendimentos da prática crítica atualmente?

Laécio - Recorri a esses textos do Jean Douchet, que é canônico dentro da cinefilia considerando uma certa ideia de ofício da crítica, e do Girish Shambu, que é claramente um manifesto, tem um tom mais provocativo no bom sentido e ao mesmo tempo exortativo, de convocar um certo repensar e uma nova perspectiva para o ofício. Eu diria que não tenho uma resposta exata para um posicionamento e um entendimento da crítica, até porque eu não exerço o ofício, mas ficaria num meio caminho entre os dois. O texto do Jean Douchet tem coisas com as quais concordo — ainda que seja escrito num contexto de uma cinefilia majoritariamente francesa, eurocêntrica, que norteou muito do que o olhar ocidental tendia a entender em torno do cinema e do ofício da crítica — e o do Girish Shambu solicita um engajamento de outra ordem, mais atento sobretudo às urgências do mundo e aos engajamentos que o cinema promove com relação ao mundo em termos de transformação, certa militância e ativismo, novos engajamentos, mas é um pouco normativo. O ideal, do meu ponto de vista, seria uma junção dos dois.

OP - O livro cita uma imbricação forte de práticas de crítica e curadoria, com uma espécie de "caminho" que começa na primeira e chega na segunda. O que essa relação revela sobre os dois campos no Brasil?

Laécio - Eu diria que a crítica parece perder certa atratividade talvez em virtude de certa banalização decorrente da prática crítica nas plataformas on-line — é um ofício que passa a ser exercido por muitas pessoas de modo um pouco indiscriminado — e, por outro lado, também em virtude de questões materiais. Na mídia tradicional, acho que a crítica perde espaço e creio que quem está trabalhando com crítica em plataformas on-line o faz por uma certa paixão, mas não exatamente porque acredita que vai ser bem sucedido ou vai ter uma boa remuneração. Enquanto a curadoria, em virtude dos editais e das instituições que contratam curadores, me parece ser um ofício mais estruturado, com verba mais garantida, uma remuneração à altura do que de fato o profissional deve ganhar e dos desafios que são colocados no exercício e na condução do ofício. As questões materiais talvez sejam a chave para um entendimento de um certo declínio da crítica e um apogeu da curadoria no presente.

OP - Com as atualizações de formatos e lógicas da crítica — que desponta em sites, vídeos e podcasts —, e do campo jornalístico, qual você vê como o lugar da crítica em veículos tradicionais?

Laécio - Quando leio, ainda me parece uma crítica muito atenta a critérios de avaliação pautados em nota, em cotação, em estrelas, uma espécie de ranqueamento das obras, não raro sem muita profundidade formal, por vezes atenta mais à análise de conteúdo — o que não é uma análise ruim, mas parcial — e muitas vezes com tom mais resenhístico. Não sei se isso é em virtude da perda de visibilidade do crítico e da própria crítica, de redução e mudança nesses veículos tradicionais em virtude das transformações comunicativas, mas me parece que a boa crítica no Brasil hoje é exercida por algumas revistas mais especializadas cujo teor das críticas é ensaístico. O problema é que, às vezes, algumas dessas críticas nesses sites tendem também a um aprofundamento às vezes quase acadêmico, o que pode afastar um leitor mediano, digamos assim.

OP - Qual o papel do ambiente acadêmico como espaço de discussões e aprofundamentos possíveis das práticas curatorial e crítica?

Laécio - A tarefa da academia, sobretudo, é estimular práticas críticas e curatoriais que sejam inclusivas e mais abalizadas no exercício dos ofícios. Sair de uma opinião superficial, do mero achismo e do caráter puramente resenhístico e aprofundar, conciliando um olhar que consiga transitar entre o aspecto formal, conteudístico, narrativo e as dimensões e urgências do presente, isso no campo da crítica. No campo da curadoria, estar atento não somente às novas obras que carecem de visibilidade e circulação, mas também a uma tarefa de reparação histórica e revisão da historiografia do cinema no sentido de nos ajudar a entender que ela comporta diferentes versões e que grupos tradicionalmente invisibilizados precisam encontrar espaço para contar suas versões e narrativas.

Crítica e curadoria em cinema: múltiplas abordagens

  • Organizado por Laécio Ricardo de Aquino Rodrigues
  • 376 páginas. Editora Fafich / Selo PPGCOM / UFMG
  • Onde: já disponível para download gratuito no site do Selo PPGCOM/UFMG

 

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