Acessível, cinebiografia de Claudinho e Buchecha conquista pelo emocional
João Gabriel Tréz é repórter de cultura do O POVO e filiado à Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine). É presidente do júri do Troféu Samburá, concedido pelo Vida&Arte e Fundação Demócrito Rocha no Cine Ceará. Em 2019, participou do Júri da Crítica do 13° For Rainbow.
A cena inicial da cinebiografia "Nosso Sonho" se passa em 2002, na BR-116, momentos antes do acidente que vitimaria Claudinho (1975-2002), da dupla de funk melody com Buchecha. A abertura do filme, que busca retratar as trajetórias de vida e de carreira dos artistas, é um rápido prólogo e rapidamente dá espaço para um passeio entre diferentes tempos e locais até chegar no foco da produção: os anos 1990, período em que a dupla alcançou repercussão nacional com canções de funk melody.
O caminho até o sucesso explorado pelo longa inclui o início da amizade deles ainda na infância, no bairro de Boaçu (São Gonçalo-RJ), uma separação após a ida de Claudinho para o Complexo do Salgueiro e o reencontro na nova comunidade já no início da vida adulta.
Todo o percurso é desenvolvido sob o ponto de vista de Buchecha (interpretado na fase adulta por Juan Paiva), em uma decisão que acaba deslocando o protagonismo da dupla para o personagem.Tal deslocamento é um dos senões do filme dirigido por Eduardo Albergaria, que também assina o roteiro da obra com Daniel Dias, Mauricio Lissovsky e Fernando Velasco.
A partir dessa escolha, a trama se aprofunda no contexto de crescimento de Buchecha, com uma mãe afetuosa e um pai ausente e alcoólatra, bem como de outros momentos da trajetória do artista, como o emprego que tinha antes de dar vazão à carreira artística.
Já em relação a Claudinho (vivido por Lucas Penteado) pouco se revela de fato sobre a família do artista, os processos de maturidade, os contextos que o levaram ao Salgueiro ou até a própria aproximação dele com a arte antes da concretização da dupla. É dele, por exemplo, a ideia de apostar na música a partir das inspirações artísticas que os rodeiam na comunidade.
Uma cena central para o longa é aquela em que Buchecha, recém-chegado no Salgueiro e já tendo reencontrado Claudinho, é levado pelo amigo para um baile. A sequência é simbólica em diferentes níveis: por apresentar o local, o movimento artístico que se espalhava pelas comunidades cariocas e, em especial, por se desenrolar ao som de "Rap do Amigo", dos MCs Leleco e Dinho e lançada nos anos 1990.
"Nós somos amigos / De fé até morrer / O amigo não é uma forma de expressão / O amigo, sim, é pra guardar no coração", dizem versos da faixa que marca o reencontro de Claudinho e Buchecha e se impõe como representativa da relação de amizade entre os dois artistas.
A partir daquele momento de alegria e festejo compartilhado por eles, "Nosso Sonho" avança com foco na construção da trajetória artística da dupla. Os primeiros passos dessa concretização são retratados de diferentes formas, indo da composição de músicas em um trajeto compartilhado no ônibus à conquista da gravação em um estúdio profissional, passando ainda pela emoção de ouvir uma música própria na rádio ou de se apresentar ao público pela primeira vez.
Em meio a representações de momentos já célebres no imagináriopopular ligado à dupla — como uma referência à escolha do verbo "adjudicar" na letra da faixa que empresta o título ao filme ou a entrevista concedida pelos artistas ao apresentador Jô Soares —, a produção também abre espaço para adentrar em aspectos mais íntimos.
O principal é, sem dúvidas, a relação de Buchecha com o pai, Souza, interpretado por Nando Cunha. O retrato da figura paterna do artista busca ser multidimensional: apesar do vício, ele tem ligação com a música, proporcionando os primeiros contatos do filho com a arte; apesar de também ser artista, não estimula, de partida, a aposta na carreira.
Apesar de lançar mão de questões mais delicadas e emocionais, o espírito de "Nosso Sonho" se mantém, como o nome sugere, em uma abordagem mais positiva, quase de fantasia. Há problemas no caminho, decerto, mas o foco é na superação, tornando a obra edificante — e, portanto, acessível e de fácil conexão emocional.
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