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Se Deus quiser...
Cláudia Leitão

Se Deus quiser...

Como Rita Lee nos ensinou, só o amor e a arte nos permitem bailar, tomar banho de sol, virar semente, brotar da terra, ficar contentes, desviar do estilingue e até deixar que nos xinguem
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E quando tentávamos "digerir" a partida abrupta de Gal Costa, eis que Rita Lee também se foi. "A tristeza é senhora" e, no Brasil, o samba magistral de Caetano e Gil teima em ecoar: por que tudo está demorando em ser tão ruim?

Minha bisavó sempre dizia, no alto de sua saberia amazônida, que "não há bem que sempre dure nem mal que nunca se acabe". Mas, não há otimismo que resista aos males (novos e velhos) que continuam a nos espreitar no Brasil: povos indígenas continuam ameaçados, o desmatamento avança, o tráfico domina territórios urbanos e de fronteira, os números do desemprego e da desigualdade não arrefecem.

Mas, a explosão do ódio é, sem sobra de dúvida, o fenômeno mais assustador em nossas sociedades. De forma insidiosa, ele se espalha nas redes e mídias, contaminando a tudo e todos, em nome dos interesses os mais diversos. Odiar tornou-se um exercício banal.

A ira, afirma Sêneca, é o desejo de causar dano ao outro. Ele está associado ao ressentimento, à vingança, ao medo e à insegurança. Nasce da sensação de prejuízo que acomete os indivíduos, fundamentando todos os seus desvarios. Violências, assassinatos, assédios, ataques, violações são justificados como exercícios de reparação.

Há no ato de odiar uma espécie de razão inadequada, uma retórica salvacionista ou, mesmo, uma bandeira ideológica ou religiosa que, como uma armadura invulnerável, protege os seus titulares. Há também no ódio tristeza e repulsa ao corpo do outro. Aqueles que odeiam estão convencidos que, para anestesiar suas dores, necessitam ostentar e ampliar o seu quadro de inimigos.

Penso nas tentativas odiosas de se reduzir a imensa Rita Lee, no momento de sua morte, a frases editadas de sua biografia. Afinal, para os odientos, é preciso odiar os vivos e, também, os mortos! Mas, como Rita nos ensinou, só o amor e a arte nos permitem bailar, tomar banho de sol, virar semente, brotar da terra, ficar contentes, desviar do estilingue e até deixar que nos xinguem. Se Deus quiser, ainda seremos todos e todas Rita Lee Jones.

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Cláudia Leitão

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