Jornalista formado pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Desde 1991, atua nas redações dos principais jornais cearenses. Trabalha no O POVO desde 1995. Passou pelas editorias Cidades (como repórter e editor), Ciência & Saúde (repórter), editor de Primeira Página, Núcleos de repórteres especiais e de Jornalismo Investigativo e Núcleo Datadoc, de jornalismo de dados. Hoje, é repórter especial de Cidades. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, incluindo nacionais e internacionais
Sempre cabe falar sobre a adicção de alcoolismo. O tema cruza nossas vidas em algum momento. A nossa ou a de alguém próximo(a). O depoimento de seu Cláudio é corajoso e importante
Queria antes apenas exaltar o jornalismo e suas possibilidades, significados e ensinamentos. É sempre surpreendente. É sobre ganhar a confiança de alguém em poucos minutos de convívio, e essa pessoa falar tudo da vida dela. Ouvir é mais importante do que perguntar. E, mesmo em histórias pesadas, dramáticas, os fios das histórias explicam a função jornalística.
— E aí, xará? Bora conversar? Pode perguntar o que você quiser. Conto tudo.
Seu Cláudio já se aproxima disponível, acompanhado de Sâmia, a assistente social. Sou apresentado a ele apenas ali, mas parecia que nos conhecíamos há mais tempo. O nome igual pode ter ajudado. Chega com simpatia e estilo. Manga comprida bordô bem cortada combinando sapato branco + boina branca. Circulou muito por rodas de samba, chorinho e noitadas. A música era um dos atrativos. Tocava percussão.
— Toco tudo de percussão: bateria, tantan, tumba, cajon… menos o pandeiro. Você acredita?
A música inspira a boa conversa inicial, até o assunto migrar para uma zona menos leve, marcante. “Pois me conte como o senhor veio viver aqui no Lar Torres de Melo?”.
No próximo dia 29, Cláudio Holanda Vasconcelos, 73 anos, completará seu 12º mês na instituição para idosos no bairro Jacarecanga. Esta é sua sétima internação, a primeira foi em 2007, sempre na perspectiva de terapia para se distanciar da sujeição à bebida — ou, paradoxalmente, conviver com ela.
— Tenho dependência do álcool. Sou o que chamam de adicto. Não fumo, nunca usei droga nenhuma. A adicção do álcool é uma doença e estou tratando.
Usa termos atualizados. Aprende diariamente dos caminhos e descaminhos por onde esteve. Admite que errou. “Mas o álcool não tem cura”. Reconhecer é o que lhe cura.
A boêmia lhe deu muita coisa boa, de alegrias e amizades, mas também os danos. Cláudio perdeu três casamentos. Nunca por violência doméstica, garante. Mas suas atitudes e ausências desestruturam suas relações. Tem uma filha e um filho. “Minha filha é tudo. Faz tudo por mim. Meu filho mora na Alemanha. Eles são muito importantes. E eu sempre estive presente, apesar de tudo”, posiciona.
O detalhe dos erros foi esclarecedor para si e entende que, ao compartilhar sua história, pode ensinar.
Conta envergonhado, mas hoje consciente, que um dos casamentos acabou quando chegou em casa, pela manhã, com menos roupas do que havia saído. Não lembra do que aconteceu. A relação durou seis meses — a que se estendeu mais foi a seis anos.
Já foi acordado, numa madrugada, num banco de praça, por um amigo de infância que o reconheceu ali — e ainda assim não voltou para casa, procurou o bar abrir. Esperou o sol muitas vezes, debilitado pela compulsão. Metalúrgico experiente, vendeu sua produção de esquadrias de alumínio, e depois todo o maquinário de sua fábrica, para beber esse dinheiro.
As demais instituições por onde passou tinham o perfil de comunidade terapêutica, específicas para seu tratamento. Durou seis meses em cada, em média. As recaídas vieram com frequência, não conseguia se antecipar a elas. Frequentou o AA.
Arrependimento? “Muitos”, resume.
— O álcool traz desajustes, desequilíbrio financeiro e familiar. Perdi muita coisa, muito tempo, relacionamentos e bens materiais. É uma falsa felicidade.
Há 203 residentes (105 mulheres e 98 homens, dados até julho) no Lar Torres de Melo. Seu Cláudio se diz privilegiado, gosta do acolhimento da casa. Seis refeições diárias, descanso, atividades (das físicas às musicais, que ele tanto gosta), serviço médico completo, atenção a toda hora.
Apesar disso, seu projeto pessoal “não é ficar para sempre” (há moradores no local há mais de 25 anos). Não sabe ainda até quando, mas se projeta mais perto da filha, do genro e dos netos. E também da música, noutra perspectiva.
Nunca tinha escrito tão cruamente de um depoimento sobre problemas com o álcool. É destrutivo e tolerado. A fala corajosa de seu Cláudio nos serve muito. Explica dos nossos limites.
Pode acontecer com qualquer um.
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