Mortes na Base Aérea: 19 anos depois, quem matou Cleoman e Robson?
Jornalista formado pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Desde 1991, atua nas redações dos principais jornais cearenses. Trabalha no O POVO desde 1995. Passou pelas editorias Cidades (como repórter e editor), Ciência & Saúde (repórter), editor de Primeira Página, Núcleos de repórteres especiais e de Jornalismo Investigativo e Núcleo Datadoc, de jornalismo de dados. Hoje, é repórter especial de Cidades. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, incluindo nacionais e internacionais
Mortes na Base Aérea: 19 anos depois, quem matou Cleoman e Robson?
Nunca houve um culpado pelas mortes de Pêu e Robinho, os meninos-soldados assassinados dentro das instalações militares da Base Aérea de Fortaleza
Neste domingo, 10 de setembro, completam-se 19 anos das mortes de Francisco Cleoman Fontenele Filho e Robson Mendonça Cunha. Pêu e Robinho eram dois meninos soldados. Um gostava de surfar, o outro era mais inibido, estudioso. Tinham 19 e 18 anos, respectivamente. Os dois tiravam serviço num posto de vigilância quando foram assassinados, com tiros na cabeça, dentro da Base Aérea de Fortaleza. São quase duas décadas de um silêncio perturbador, o crime sem castigo.
Quem os matou? E por quê? Publicamente, nunca se soube. Isso dentro da versão oficial — muito mais silenciosa do que todos os rumores que percorreram o ambiente militar à época. Superiores teriam determinado internamente para que não se falasse muito a respeito. Os familiares foram procurados por colegas de farda, alguns confirmaram que o silêncio era mesmo uma ordem dada. Ninguém viu ou nunca quis falar.
Repito a descrição do ponto em que foram alvejados porque essa foi uma informação importante na investigação do caso. Em vez do duplo homicídio, chegaram inicialmente a divulgar que teria se tratado de um homicídio seguido de suicídio. A tese, incompatível pelo desenho da cena do crime, feriu o coração das famílias tanto quanto a confirmação das mortes propriamente. Nem essa cena foi preservada: os corpos foram até alterados de local, antes da chegada dos peritos.
Pergunto a Fátima Fontenele, professora universitária e mãe de Cleoman Filho, por que ela imagina que o crime nunca tenha sido esclarecido. "Porque aconteceu dentro de um quartel, o corporativismo é grande demais. Eles não quiseram descobrir realmente quem fez o quê".
Em 2006, em entrevista ao O POVO, quando o caso ainda tinha um ano e meio de incertezas, Fátima e Imaculada, a mãe de Robson, acreditava que o caso seria desvendado e o assassino descoberto. "Naquela época a gente tinha esperança ainda. Não posso dizer que eu perdi minha esperança totalmente, porque sempre há possibilidade, mas, Cláudio, já vai fazer 20 anos", resigna-se Fátima.
E o que é uma mãe sem esperança? "Difícil, muito difícil. Embora o meu espiritual diga que ainda há uma possibilidade de a gente ter uma resposta. Mas acho que é cada dia mais difícil".
A mãe do crime da Base Aérea se compara a outras mães em sofrimento, que perderam seus filhos na Chacina do Curió. "Quando escuto elas falarem, parece que estou me vendo naquela ocasião, de como elas estão se sentindo. Essa impunidade, essa falta de justiça. Parece que não há compromisso das autoridades em realmente deslanchar, para dizer que o culpado é esse e esse".
No dia da morte de Cleoman Filho, Fátima estava em Brasília. Havia viajado com a mãe, o filho Vitor, uma irmã e o cunhado. Lembra do dia que saiu de casa e não se despediu da cria. Ainda guarda pertences dele, como fotos, documentos e a última farda do menino-soldado. "Encontramos uns papéis dele no armário, estava se informando para fazer o concurso de sargento e seguir carreira militar. Nem imaginava isso dele".
Fátima admite que a cada setembro reabre sua caixinha de tristeza e revive a história. Por vários desses 19 anos, fez algo para a data não passar batida. Imprimia camisetas, fotos, marcadores de páginas para livros. Um desses foi uma foto de Pêu surfando e a frase “Era um rapaz novo e encantado, com 20 anos de amor”, do Belchior. Neste domingo, botará o nome do filho na missa em intenção da alma.
(Cleoman, pai de Pêu, acompanhou a entrevista, na sala da casa deles, no bairro Monte Castelo. Ele não pôde falar, pois se recupera de uma cirurgia recente na laringe, mas se manifestou com gestos em vários momentos. Os filhos Vitor e Patrícia também acompanharam).
“Sonhei com ele várias vezes, mas ele sempre criança. Nunca sonhei com ele adulto”, revela Fátima. Cleoman Filho hoje teria 38 anos.
* * *
O caso das mortes na Base Aérea de Fortaleza teve um único réu: o então capelão da Base, José Severino Cheregato. A suspeita como possível autor do duplo homicídio surpreendeu a todos à época. Era um padre famoso naqueles tempos, lotava missas, era muito requisitado para batizados e casamentos, tinha prestígio entre fiéis da alta sociedade cearense.
Ele foi absolvido em 1ª instância por unanimidade. O Ministério Público Militar recorreu junto ao Superior Tribunal Militar (STM) e a absolvição foi mantida, novamente por unanimidade. "O processo transitou em julgado com a declaração da inocência do capitão", confirma o advogado de Cheregato, João Marcelo Pedrosa.
Porém, o capitão-capelão acabou expulso das Forças Armadas. Na apuração sobre as mortes, descobriu-se que ele havia desviado dinheiro da capelania. Foi condenado pelo crime de peculato. Um processo administrativo o considerou "indigno para o oficialato".
Houve a perda da patente e do posto e Cheregato recorreu. O recurso tramita atualmente no STM e deverá ser julgado em breve", atualiza o advogado. Segundo Pedrosa, hoje ele reside em Manaus e está enfermo.
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