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Em Maranguape, ameaças de facções impedem presença de pais em batismo dos filhos
Foto de Cláudio Ribeiro
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Jornalista formado pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Desde 1991, atua nas redações dos principais jornais cearenses. Trabalha no O POVO desde 1995. Passou pelas editorias Cidades (como repórter e editor), Ciência & Saúde (repórter), editor de Primeira Página, Núcleos de repórteres especiais e de Jornalismo Investigativo e Núcleo Datadoc, de jornalismo de dados. Hoje, é repórter especial de Cidades. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, incluindo nacionais e internacionais

Em Maranguape, ameaças de facções impedem presença de pais em batismo dos filhos

Quem é da Área Seca ou da Área Verde, comunidades locais, evita frequentar as capelas do lado contrário onde há o domínio das facções rivais. A rodovia é a linha que divide os dois territórios dominados pelos criminosos
Capela do Divino Espírito Santo fica na Área Verde, ao lado da rodovia Senador Almino, lado direito da via para quem chega em Maranguape vindo de Fortaleza (Foto: CLÁUDIO RIBEIRO)
Foto: CLÁUDIO RIBEIRO Capela do Divino Espírito Santo fica na Área Verde, ao lado da rodovia Senador Almino, lado direito da via para quem chega em Maranguape vindo de Fortaleza

A mãe pede para avisar ao padre em cima da hora, às vezes na véspera, ou poucos dias antes da celebração: o pai não poderá estar presente no batizado do próprio filho(a). O motivo: porque mora do outro lado da pista. Há casos em que o padrinho também não aparece, evita, ou recebe a sugesta direta para não ir. Obedece quem tem juízo. A razão de fato: ou por serem faccionados, por estarem com alguma pendência com a lei formal (Poder Judiciário) ou por serem de grupos contrários aos donos de cada pedaço da região. Alguns que nem estão nesse perfil evitam o atrito. As regras das facções criminosas atrapalham até as afirmações de fé mais específicas, na rotina do rebanho católico local.

As ordens do crime em Maranguape, município da Região Metropolitana de Fortaleza, têm afetado as reuniões preparatórias e a cerimônia do batismo em alguns pontos da paróquia de Nossa Senhora da Penha. Um trecho seria o mais crítico. Quem mora na comunidade Área Seca (ou conjunto Novo Maranguape I), comandada pelo CV, é orientado a não atravessar a rodovia Senador Almir Pinto (CE-065) para frequentar o lado de lá. É onde fica a capela do Divino Espírito Santo.

O mesmo é dito - ou nem precisa ser verbalizado - aos moradores da Área Verde (Novo Maranguape II), faixa dominada pela GDE. É onde está localizada a Igreja de São José. De uma capela para outra, menos de dez minutos a pé (650 metros). Parece coisa pouca, mas é também nesses detalhes que o crime impõe o medo para se afirmar. 

O batismo é o primeiro dos sete sacramentos cumpridos na Igreja Católica - pela ordem, são: batismo, confissão, eucaristia, crisma, ordenação religiosa, unção dos enfermos e matrimônio. É o rito de iniciação ao catolicismo, o primeiro ato dentro da religião. É quando pai e mãe "entregam" sua cria à confiança do compadre e da comadre. Laços eternizados e gesto ainda muito respeitado entre quem cumpre as formalidades cristãs de Roma. A maioria levada ainda é de colo, mas há meninos e meninas maiores, geralmente na faixa de zero a seis anos de idade.

"A dificuldade existe, embora não chegue para nós ainda como gravidade. Mas as pessoas sentem. É porque é o território, uma facção do lado de cada pista. Elas ameaçam quem vem de lá pra cá, as pessoas se sentem tímidas, com medo de atravessar. E dificulta um pouco a preparação (para o batismo). A gente tá resolvendo isso", admite o padre José Eudásio do Nascimento Cruz, mais de três décadas de vida episcopal e há seis anos titular da paróquia em Maranguape.

"Para evitar que atravesse para o outro lado, a gente celebra lá onde está a família. Acontece em outras comunidades, mas não tão forte", confirma o sacerdote. Ele disse que ainda não levantou o problema oficialmente para a Arquidiocese, apenas mantém conversas informais entre seus pares e colegas de batina. "Ainda não teve a precisão disso, estamos resolvendo por aqui mesmo", justifica. Ainda não seria uma situação generalizada, nem todos estariam sendo alertados pelas facções, mas as ausências masculinas (pais e padrinhos) têm sido registradas regularmente nos últimos quatro anos nos cursos e missas de batizados. Principalmente nas regiões em maior disputa pelos criminosos.

Segundo gente ouvida pelo O POVO, que fala sob anonimato, em uma das comunidades, que realiza 70 batismos em média por semestre, pelo menos 5 pais e/ou padrinhos faltaram por essa "força maior". Em toda a paróquia, que abrange 22 comunidades, mais de 500 crianças são batizadas no período, conforme padre Eudásio. Quem conta do que sabe também descreve que pelo menos as mulheres e crianças são "perdoadas" e autorizadas a estarem nas celebrações. Questionada se alguma situação-limite já aconteceu na própria missa, a resposta da fonte ganha uma perspectiva incerta: "Não, é mesmo pelo medo que as pessoas têm".

A situação é seguida à risca pelos que vivem mais próximo da lei das ruas, que se orientam piamente pelo mapa demarcado por pichações. Não há regra escrita, é um tribunal sem togas. O medo é uma chaga. Segundo apuração junto a um oficial da Polícia Militar que já atuou no município, mesmo que se saiba quem manda em cada área, "há facção rival incrustada dos dois lados" desses territórios. Os quarteirões estão sempre em disputa, o que encurta e atrapalha a circulação dentro das próprias comunidades.

O delegado titular da cidade, Jurandir Braga, afirmou ao O POVO que "essa ameaça ainda não havia chegado" ao conhecimento da Polícia Civil através de denúncia formalizada por Boletim de Ocorrência. "Quando chega a gente tem que tomar providência. Com a denúncia a gente pode investigar, pra saber quem está proibindo. Mas realmente é assim, as facções não querem que pessoas de outras áreas frequentem a área deles. Existe a disputa e a gente combate isso direto", explica. Cita uma grande prisão recente, duas semanas atrás, de 19 membros de uma das organizações citadas. Mas até ironiza, diz que Maranguape é "privilegiada, porque tem todas as facções". Nem reza e polícia têm dado conta. O temor é que o problema possa piorar. Vale lembrar o caso recente, em Tauá, em que quatro padres e o bispo da diocese de Crateús, dom Ailton Menegussi, estão impedidos de realizar missas por estarem ameaçados de morte. 

Foto do Cláudio Ribeiro

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