Os profetas, os cientistas e os contadores de chuva
Jornalista formado pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Desde 1991, atua nas redações dos principais jornais cearenses. Trabalha no O POVO desde 1995. Passou pelas editorias Cidades (como repórter e editor), Ciência & Saúde (repórter), editor de Primeira Página, Núcleos de repórteres especiais e de Jornalismo Investigativo e Núcleo Datadoc, de jornalismo de dados. Hoje, é repórter especial de Cidades. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, incluindo nacionais e internacionais
Os profetas, os cientistas e os contadores de chuva
Hoje é o 28º Encontro dos Profetas da Chuva em Quixadá. E na próxima sexta, 19, a Funceme anuncia seu prognóstico para 2024. Quanto teremos de chuva nos pluviômetros neste inverno nordestino?
Este sábado, 13 de janeiro, é um dia de medir chuvas lá por Quixadá, Sertão Central, epicentro da nossa quintura.
De lá sairão as informações percebidas por gente sábia. Se as chuvas virão mesmo ou se as nuvens não serão muito boas, como a ciência já tem dito.
Quixadá sedia o 28º Encontro dos Profetas da Chuva, de tradição e ciência popular. Vinte e oito janeiros que nos contam sobre o melhor e o pior do inverno nordestino (Para quem é do sertão, é inverno, não há outro dizer).
Os profetas são os oráculos do bom presságio. A caatinga, nossa mata branca mais proeminente, que se exibe em galhos secos — sempre vivos, guardando suas reservas quando há secura — se esverdeia toda contente quando sai dos observadores a notícia de que será um céu cheio de nuvens.
Os senhores, e senhoras também, enxergam e traduzem o que às vezes os mais estudados e nem os satélites conseguem confirmar imediatamente. Mas sem rivalismos. Há uma parceria entre o saber instintivo e a ciência. O interesse é comum.
É uma medição sensitiva. Uma observação que atravessa campos não visuais, não físicos. A interação é direta com a natureza. Não é vidência, é resposta dos elementos naturais à dúvida dos homens.
Sinais. Tudo documentado na oralidade e nos ensinamentos dos mais velhos para os mais novos. São as experiências.
As formigas e os cupins mudam seus itinerários. Fazem linha reta em suas caminhadas e alteram as escavações, saem do chão baixo, buscam os cantos altos para escapar dos empoçamentos. Há uma lógica.
Os joões-de-barro moldam a porta de suas casas de costas para a curva do vento. Livram-se dos respingos e protegem seus filhotes. É o óbvio. Não erguem sua morada na beira de um rio, de frente para a arrebentação do mar, num barranco que possa deslizar, como fazem os homens.
Será bonito de chuva se o sol nascer por trás da barra de nuvens em 18 de outubro e se relampejar. Será bom inverno se a estrela d'alva viajar para o norte, se a primeira lua de janeiro nascer limpa, sem estar encoberta de nuvem.
Se as seis pedras de sal grosso amanhecerem molhadas após o sereno do dia 12 para 13 de dezembro. Essa é a quem chamam "experiência de Santa Luzia". Anuncia chuvas boas.
A lista dessas observações é muito maior: dia 1º de janeiro, Dia de Finados, vários dias e luas de outubro, de novembro, de dezembro, de janeiro, a posição das estrelas, outras barras de nuvens, floradas de cumarus, ipês, o voo das abelhas, a loca dos preás...
Hoje Quixadá juntará toda essa gama de saberes e essa gente mágica. Fascinantes. Nos falarão verdades. A Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos, o olho científico para essa mesma observação de nuvens certas ou incertas, deverá lançar seu prognóstico no próximo dia 19, sexta que vem. Quem dará razão a quem?
Dentro do olhar mais comum, real, também há a importância do que prefiro chamar de "contadores de chuva". A rede de voluntários que medem o que é aparado nos funis dos pluviômetros. Diariamente, são eles que dizem o que caiu na proveta, o tubo com a régua de milímetros que aponta quanto choveu por metro quadrado.
Os contadores estão nos rincões e nas cidades maiores. Em quintais, beiras de rios ou pontas de serras e serrotes. Acordam cedo para dar a notícia se choveu, serenou ou nada. São tão importantes quanto os que anteveem o céu molhado. Não é uma profissão, atuam por gosto e sem ganho.
Contar quanto temos de chuva numa hora, num dia, numa temporada toda, é crucial para evitar ou avisar de desabamentos, alagamentos ou quanto teremos de aporte hídrico nos açudes para atravessar um ano. Ajudam a definir os plantios, até a obter mais recursos num municípios para outros fins — agrícolas ou de defesa civil.
"Temos pelo menos um pluviômetro em cada município. Pode haver mais de um. Quanto mais, mais detalhada será a informação sobre a distribuição da chuva naquela área", explica o supervisor do Núcleo de Monitoramento da Funceme, João Bosco Passos Acioly Filho.
Os equipamentos não são posicionados aleatoriamente. Há critérios técnicos, distâncias obrigatórias, pontos que ajudam a conduzir a gestão hídrica ou as ações preventivas. São tão estratégicos quanto os profetas e os pesquisadores.
"Daqui de Maranguape, vão quatro nossos participar do encontro em Quixadá. Prefiro chamar os profetas de agricultores observadores da natureza", informa Sílvio Nunes, secretário adjunto de Meio Ambiente do município. Também um contador de chuvas.
Na cidade da Região Metropolitana de Fortaleza, Nunes diz que a atuação dos observadores (profetas) é estimulada e as consultas são recorrentes, aliadas aos dados da ciência.
O gestor lamenta que o desequilíbrio ambiental e climático, cada vez maior, dificulte tanto o trabalho científico como o sensitivo, profético. Nunes diz que tenta tirar a média entre o que o saber popular e o acadêmico vão informar.
Quanto teremos de chuva em 2024 em nossos pluviômetros? Tomara que encham!
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