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Liberdade de andar: método ensina amputados a usarem prótese em Fortaleza
Foto de Cláudio Ribeiro
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Jornalista formado pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Desde 1991, atua nas redações dos principais jornais cearenses. Trabalha no O POVO desde 1995. Passou pelas editorias Cidades (como repórter e editor), Ciência & Saúde (repórter), editor de Primeira Página, Núcleos de repórteres especiais e de Jornalismo Investigativo e Núcleo Datadoc, de jornalismo de dados. Hoje, é repórter especial de Cidades. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, incluindo nacionais e internacionais

Liberdade de andar: método ensina amputados a usarem prótese em Fortaleza

Dayane dança, surfa, posa de modelo, faz crossfit. Com próteses nas duas pernas, pisa no passado recente, difícil, quando repensou a vida toda. Seu Pinheiro quer recuperar a possibilidade de andar, ser independente. Eles são pacientes do Método RAP (Reabilitação Ativa com Prótese), que faz atendimento gratuito semanal para amputados que buscam adaptação ao aparelho
Método RAP (Reabilitação Ativa com Prótese) (Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Método RAP (Reabilitação Ativa com Prótese)

Com dores abdominais muito fortes, Dayane Rodrigues, de 31 anos, buscou atendimento e recebeu o diagnóstico de infecção urinária. Foi para casa. No outro dia não havia passado. Desmaiava de dor. Associou a situação ao segundo parto, o filho nascera um mês antes. Voltou ao médico e precisou ser internada no hospital de Messejana. Era 13 de setembro de 2015. No dia seguinte, foi operada com urgência. Estava com infecção generalizada. Quando acordou do coma, entubada, não sabia que dois meses haviam se passado.

No hospital, não percebeu de início. Viu a mão direita enfaixada e, ao tentar levantar o pé direito, o lençol não subiu. Haviam amputado sua perna na altura do joelho e dois dedos da mão. Não conseguia falar, as cordas vocais feridas pela entubação. Mexeu os lábios na direção da enfermeira: “Vocês me cortaram?”. Ouviu que sim. Suas dores já eram outras, tristeza e raiva. Revoltou-se. Não foi avisada da mutilação. A septicemia não regrediu. No dia seguinte, a outra perna precisou ser extraída.

Day, como a chamam, reaprendeu a andar e a viver. Ela aprendeu a surfar, faz crossfit, gostar mais de dançar hoje do que antes — se assumiu como dançarina —, virou modelo, já fez nu artístico, muda o cabelo com frequência, em cores e tamanho. É palestrante motivacional, influenciadora digital (@dayanerodrigues6686).

Dayane Rodrigues, 31
Dayane Rodrigues, 31 Crédito: AURÉLIO ALVES

Seu sorriso é fácil. Ela ensina que os problemas que mergulhamos podem ser menores do que o tamanho que atribuímos a eles. Tentou tirar a vida três vezes, teve a terceira gravidez interrompida aos sete meses porque havia risco de morrer. Chegou a 5% de chance de viver, segundo os médicos. "Meus 11 irmãos e meus pais estavam no hospital, foram se despedir. O médico disse que eu não escaparia".

No braço esquerdo dela, a tatuagem: “Método RAP”, em letras cursivas, ao lado de um coração vermelho, delicado. Day fez por gratidão. “Sou outra pessoa por causa do RAP. Mudou minha vida. Me tirou de uma bolha que eu não acreditava que iria sair. A amputação não é o fim”.

RAP é Reabilitação Ativa com Prótese, projeto criado em Fortaleza, em 2019, pelo fisioterapeuta Edi Ângelo Bandeira e pelo educador físico Fred Felizardo. Day está no projeto desde os primeiros dias. Uma vez por semana, gratuitamente, pacientes amputados são orientados na adaptação ao uso de próteses. Em menos tempo, com menos incômodo.

Cerca de 100 pacientes já teriam participado do projeto, segundo Edi Ângelo. O RAP surgiu um ano antes da pandemia, mas o isolamento social obrigatório em 2020 reduziu o comparecimento. Agora, a proposta ganha um novo fôlego com o apoio do Instituto Aço Cearense, que vai bancar os profissionais e alguns custos de materiais.

Após avaliação e anamnese (entrevista), os pacientes são encaminhados para diferentes níveis. Desde o primeiro uso do aparelho, a fase intermediária ou estágios avançados, com treinos físicos e performances esportivas. “Nossa proposta é ver um paciente amputado andando bem”, define Edi Ângelo.

Além da fisioterapia, ele tem formação anterior como técnico ortoprotesista, o que é um diferencial no tratamento. Faz correções e ajustes mais imediatos e personalizados para cada paciente.

A média para alguém conseguir se deslocar sozinho com próteses pode ser de um a dois meses, segundo ele, mas cada perfil pode alterar esse prazo. Podem haver regressões, “até a família pode desestimular um paciente”.

O acompanhamento é integral, conta com orientação de nutricionista, médico, nutrólogo e psicólogo. “Existe um baque na adaptação (à prótese), uma zona vermelha. O método recupera a pessoa para voltar a viver mesmo sem aquele membro perdido”, descreve Fred Felizardo.

O emocional é uma linha essencial dentro do tratamento. Fred guarda a cena de um paciente que havia passado dois anos sentado, limitado, e já no primeiro dia com uma prótese, após ajustes e orientação, voltou a andar. “Ele percorreu 30 metros. Foi uma felicidade”.

Na última quinta-feira, 25, foi a primeira aula de Raimundo Pinheiro Júnior, 56, no RAP. Ex-assessor parlamentar, hoje vive como pensionista. Em 2021, foi amputado na perna direita. No pós-operatório, passou quatro meses com problemas respiratórios, usando balão de oxigênio.

Uma inflamação no dedo do pé agravou-se para uma infecção maior. Consequência de sua diabetes. Ainda em 2019, os médicos já haviam retirado alguns dos dedos pela ulceração. A doença piorou, chegou aos ossos, a perna necrosou, os médicos precisaram extrair a tíbia. O corte é também abaixo do joelho, como em Dayane.

Pinheiro quer largar a cadeira de rodas, voltar a andar, recuperar a autonomia. Mora só, hoje enfrenta os problemas de acessibilidade que antes achava distantes de sua rotina. “Quero voltar a ter liberdade". Descreve o que sentiu na primeira aula: “Me senti bem porque estou vendo que vou conseguir meu objetivo, que não vou precisar pedir ajuda para sair do lugar”.

Cada história do RAP, e o projeto, dariam um filme.

Serviço - Mais informações sobre o projeto pelo Instagram: @metodorap, @dr.ediangelo, @fredfelizardooficial

Foto do Cláudio Ribeiro

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