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Em horário comercial, dá até cachorro em quarto de motel no Centro de Fortaleza
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Jornalista formado pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Desde 1991, atua nas redações dos principais jornais cearenses. Trabalha no O POVO desde 1995. Passou pelas editorias Cidades (como repórter e editor), Ciência & Saúde (repórter), editor de Primeira Página, Núcleos de repórteres especiais e de Jornalismo Investigativo e Núcleo Datadoc, de jornalismo de dados. Hoje, é repórter especial de Cidades. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, incluindo nacionais e internacionais

Em horário comercial, dá até cachorro em quarto de motel no Centro de Fortaleza

Os trocadilhos poderiam até ser evitados, mas o sexo no Centro de Fortaleza, em horário comercial, é definitivamente agitado, num entra-e-sai e puxe-empurre das portas. Os motéis e cines adultos são cheios de histórias testemunhadas pelos recepcionistas no expediente
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Fortaleza, CE, BR 28.02.24 - Moteis e Cines adultos no centro de Fortaleza   (Claudio Ribeiro/OPOVO) (Foto: Claudio Ribeiro)
Foto: Claudio Ribeiro Fortaleza, CE, BR 28.02.24 - Moteis e Cines adultos no centro de Fortaleza (Claudio Ribeiro/OPOVO)

Ainda eram antes das 15 horas. Calor, abafado, céu cinzento, nem tanta movimentação nas calçadas. Mas naquele ponto da rua Floriano Peixoto, sim, o entra-e-sai não parava. Em cerca de dez minutos, enquanto eu apenas explicava a proposta da apuração e tentava ganhar a confiança de Dário, o responsável pela catraca, meus olhos já haviam contado oito pessoas comprando ingressos e pelo menos quatro que deixaram a portaria do cine para adultos.

Deixei o local cerca de 40 minutos depois e muito mais gente já havia chegado e saído. Perdi a conta. Pareceu mais movimentado que muito estabelecimento de outros tipos de negócios do Centro de Fortaleza.

Histórias curiosas são várias, do que os porteiros e recepcionistas testemunham nos motéis e cines da área central da cidade. Nem tudo às claras. O casal que levou o cachorro junto para dentro do quarto do motel, o “senhorzinho” que infartou durante o programa, o rapaz que invadiu o local para arrancar o namorado dos braços de outro, a indicação “mercantil” impressa no comprovante de pagamento, para disfarçar o real serviço contratado.

Alguns episódios, eles preferem preservar. “Tem algumas situações mais pesadas, mas não posso contar”, ri Dário Silva, 40 anos, há um ano e meio trabalhando na portaria de um dos cinemas para adultos.

Fortaleza, CE, BR 28.02.24 - Moteis e Cines adultos no centro de Fortaleza   (Claudio Ribeiro/OPOVO)(Foto: Claudio Ribeiro)
Foto: Claudio Ribeiro Fortaleza, CE, BR 28.02.24 - Moteis e Cines adultos no centro de Fortaleza (Claudio Ribeiro/OPOVO)

Até insisto, mas ele diz que “não tem como” revelar mais do que sabe e viu, sempre em horário comercial. “Aqui vem gente de toda idade. Jovem, 40, 50, 80 anos. Até mais”, conta o porteiro. Ele foi o único de todos os entrevistados, entre clientes e funcionários, que se dispôs a ter o nome publicado. Mas o rosto na foto, não quis. É pai de um filho e uma filha, de 15 e 8 anos, de dois relacionamentos, e hoje diz ter assumido a homossexualidade.

Nenhum estabelecimento também terá o nome divulgado. Estive em oito portarias, entre as ruas Pedro I, avenida Tristão Gonçalves, ruas Floriano Peixoto e Major Facundo. Um, na rua Assunção, estava fechado, funciona mais à noite. Conversei com quatro funcionários e quatro se recusaram — “o patrão não permite”, “hoje não quero falar”, “nada de mais, pagam e vão embora”, “nada pra contar”. Um segurança, contatado por telefone, também não quis assuntar sobre os inusitados.

Há letreiros chamativos, outros mais discretos, com ou sem imagens ou dizeres alusivos ao segmento. Nas entradas, estátuas douradas e letreiros neons vistosos, ou placas simples, apenas com indicações de preços e o serviço 24 horas. O toldo em algumas das portas ajuda a conter o sol ou quem não queira ser tão visto acessando os locais. Quartos no andar superior, outros apenas no térreo. Mesmo os que têm garagem para carro recebem muito mais a clientela a pé. “Aqui é a maior limpeza”, diz o slogan numa das paredes laterais.

Moteis e Cines adultos no centro de Fortaleza
Foto: Claudio Ribeiro
Moteis e Cines adultos no centro de Fortaleza

O cinema que Dário trabalha, com capacidade para 150 pessoas, funciona até oito da noite. Bastante movimentado. A placa na bilheteria informa: "Entrada: R$ 15”, “Capacidade: 150 pessoas”. Entrou um com a farda da empresa, um encabulado de short e camiseta regata, um com figurino bem colorido, saiu um com o rosto encoberto de máscara descartável, óculos e boné, chegou outro dando bom dia quando já era de tarde, o que atravessou a entrevista, o que saiu de sombrinha…

A permanência é ilimitada, “pode passar o dia se quiser, até sair e voltar”, disse o funcionário. O cine tem dois salões grandes, com 30 lugares cada, um salão com cadeira erótica que pode ser dividido por alguns casais ao mesmo tempo, além de várias cabines para duas pessoas, cada.

No mesmo cine, a clientela masculina predomina e a feminina tem um trato distinto. “Geralmente os clientes são homens. Mulher não entra sozinha, mas pode entrar acompanhada, desde que seja com um homem. Homem pode entrar sozinho ou acompanhado com outro homem. As travestis também entram. E tem os que entram com mais de um homem, sim”, diz o porteiro. Segundo ele, a regra para a mulher desacompanhada é para “evitar que elas façam programa na casa” — embora confirme que os programas são oferecidos por homens.

Na calçada do mesmo quarteirão, dois motéis e dois cinemas. Num dos motéis, a vitrine com apetrechos sexuais à venda, ao lado da recepção, tinha “baralho transexual”, chicotes e vibradores em vários modelos. Um cliente que se aproximou deu bom dia, desejou bom trabalho, mas não quis dar entrevista. Eu apenas queria saber se o horário comercial foi mais atrativo para ele. A acompanhante já aguardava na calçada. E seguiram pela Floriano rumo ao miolo do Centro.

Em janeiro de 2022, o homem que morreu no motel tinha 60 anos. Teria sido por causas naturais, infartado. A suspeita é que tenha tomado mais estimulante que o recomendado. Vi duas caixas de tadalafila na sarjeta da rua.

Moteis e Cines adultos no centro de Fortaleza   (Claudio Ribeiro/OPOVO)
Foto: Claudio Ribeiro
Moteis e Cines adultos no centro de Fortaleza (Claudio Ribeiro/OPOVO)

A história do cachorrinho que dividiu o quarto do motel com seus tutores veio quase no fim do assunto. Tinha perguntado de alguma coisa muito estranha que a recepcionista, 23 anos de experiência no local, já havia presenciado. “Alguém já pediu para entrar trazendo algum bicho?”, e achando que a resposta seria negativa. Ao lado, foi a colega atendente que se antecipou e confirmou o episódio. “Teve, sim, o casal que trouxe um cachorro”.

O fato teria sido recente, segundo elas. “O casal chegou e a mulher só disse que ia entrar com o cachorro porque ele era velhinho e não gostava de ficar em casa sozinho”, descreveu. “Era um desses cachorro pé duro pequeno”, disse de longe um outro funcionário, que passou e pegou a conversa no ar. Aí eu ri, inevitavelmente.

Todo respeito ao fetiche alheio.

Foto do Cláudio Ribeiro

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