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Sorriso, Bolt, Anabelle, Corona, Gal, Saci, Brad e @causapet
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Jornalista formado pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Desde 1991, atua nas redações dos principais jornais cearenses. Trabalha no O POVO desde 1995. Passou pelas editorias Cidades (como repórter e editor), Ciência & Saúde (repórter), editor de Primeira Página, Núcleos de repórteres especiais e de Jornalismo Investigativo e Núcleo Datadoc, de jornalismo de dados. Hoje, é repórter especial de Cidades. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, incluindo nacionais e internacionais

Sorriso, Bolt, Anabelle, Corona, Gal, Saci, Brad e @causapet

Na coragem, em vez de ajudas eventuais, Lindoneide resolveu criar um lar temporário para acolher e cuidar de cães resgatados das ruas ou de tutores negligentes. A loucura lhe faz muito bem, apesar das dívidas
LINDONEIDE Rocha tem atualmente 272 cães abrigados temporariamente no Instituto Causa Pet (Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal LINDONEIDE Rocha tem atualmente 272 cães abrigados temporariamente no Instituto Causa Pet

Quando ganhou Lord Billy de presente, um filhote da raça pug, em 2017, a analista financeira Lindoneide Lobo Rocha, de 39 anos, nem imaginava a dimensão que sua dedicação aos cães alcançaria. Ela descreve ter sido "envolvida por um amor genuíno". Billy morreu no 10º mês de vida. Foi envenenado. Ela nunca soube o motivo, acredita ter sido um vizinho.

Os pugs latem pouco, são silenciosos. Nem isso justificaria o crime. Naquela tristeza, ainda em 2017, estava um dia indo para a faculdade quando resgatou a vira-lata Lady Laura na rua. Apegou-se e não parou mais. Abraçou a causa. "Caminho sem volta". De recolher e cuidar de animais adoecidos, maltratados, abandonados, mutilados, torturados, das ruas ou de tutores negligentes, até vítimas de zoofilia.

Na contagem atual, são 272 cães abrigados no Instituto Causa Pet, sediado em Caucaia (antes em Iparana, hoje no Pacheco), fundado e vivido intensamente por Linda, como é conhecida. A virada de chave não foi imediata. Começou cuidando de um e mais um e outro em casa ou em ambientes emprestados por amigos. Eram gestos pontuais. Tratava e postava em rede social, "quem quer adotar?". Afeto, teto novo e o querer bem aos quatro patas se expandiu.

Sempre que entra no pátio reservado aos cães, Lindoneide é cercada de pulos e lambeijos por seus "inquilinos"(Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal Sempre que entra no pátio reservado aos cães, Lindoneide é cercada de pulos e lambeijos por seus "inquilinos"

De repente se viu com tantos cães que precisou de mais espaço. Levou 23 para a casa dos pais, em Pereiro, a 336 km de Fortaleza. Sete horas de viagem de ônibus, cinco de van (Lady Laura estava entre os viajantes, foi adotada pelos pais de Linda, é xodó até hoje). E mais 19 foram mantidos na Capital em lares temporários pagos, bancados do bolso dela. "Gastava de R$ 7 mil a R$ 8 mil por mês". Gostava, mas saía caro mesmo com ajudas.

"Em 2019, imaginei que com o valor que estava gastando com os 19 mantidos em lar temporário dava para eu ter um abrigo. Aí foi a ilusão", relembra, rindo. Fundou o Instituto em novembro daquele ano e, desde então, as contas se amontoam.

Despesas de R$ 20 mil por mês, aproximadamente. Mas há época que dobram, dependendo de problemas que apareçam. Teve dificuldades ainda maiores durante a pandemia. Ela enverga, mas prioriza os bichos, destemidamente.

Lindoneide Rocha com a pug Catarina, a mesma raça do primeiro cão que ganhou em 2017(Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal Lindoneide Rocha com a pug Catarina, a mesma raça do primeiro cão que ganhou em 2017

O Causa Pet é sediado numa casa de 2 mil m², alugada, instalações adaptadas para tratamento ambulatorial, acolhimento, ração e água, dignidade para os "inquilinos".

Apesar do afago e dos lambeijos que recebe cada vez que circula entre eles, Linda não ameniza sobre as dificuldades que passa. Já são quase 100 animais acima da capacidade do local.

As dívidas acumuladas passam de R$ 80 mil, segundo ela, "só foram zeradas quando comecei". Por dia, são consumidos 80 quilos de ração, 15 litros de sabão, 5 litros de água sanitária, 5 litros de desinfetante, 10 cães banhados diariamente em revezamento, castrações e vermifugações (barateadas por parceria com clínicas) e outros tratamentos específicos. Valdecir, Andreza e Letícia são funcionários fixos e "a salvação", reconhece Linda.

Instalações do Causa Pet tem cerca de 2 mil m² de área(Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal Instalações do Causa Pet tem cerca de 2 mil m² de área

Em maio deste ano, o Causa Pet fez o resgate de 41 que haviam sido abandonados numa casa na avenida Mister Hull, em Fortaleza. Eram 28 machos e 13 fêmeas. Das que estavam prenhas, nasceram mais 52 filhotes. Cerca de 30 escaparam e já foram adotados. Descobriu que a dona da casa também estava em situação vulnerável. O marido era o provedor e a abandonou, assim como aos cães.

Linda diz não ter vida social, nem fins de semana ou feriados só para si. Várias vezes interrompe a jornada no emprego formal (é analista financeira numa empresa de refrigeração). Faz bazar, rifa, vaquinhas, pede ajuda, recebe doações, participa de feira de adoções, tenta editais de ajuda financeira dos órgãos públicos.

Além das dívidas, não raro leva alguma mordida mais séria ("muitas vezes") e ganha cicatriz nova. E ela adora.

Seu "pagamento" é quando chega no Causa Pet. É cercada pelo coral de quase 300 latidos simultâneos e pulos de Sorriso ("mordia demais"), Corona (chegou em 2020), Bolt, Brad ("é quieto, mas sonso"), Aghata (que cruzou com Corona, acometido de sarna negra, e nasceram Coronavac, Astrazeneca, Jansen e Pfizer).

Tem o Saci (que tentaram queimar vivo, com fogo e água quente e lhe quebraram a pata traseira esquerda, hoje amputada), Hot Wheels (inquieto), Gal (atinge a oitava nota quando late), a filhote Anabelle, Maia e Ester (estão com ela desde 2019), Fofão e as irmãs Maria 1, Maria 2 e Maria 3 (hoje saudáveis, chegaram ele e elas esqueléticos da casa da Mister Hull), Areninha, Catarina, Sol...

A maioria é SRD, sem raça definida, cada um com sua personalidade e carisma. Difícil não se impressionar com o carinho compartilhado no ambiente, tanto por parte dos cuidadores como dos cães. 

"Eu nunca tive a intenção de ter um abrigo. Eu acho que o abrigo é um mal necessário. Eu digo que a gente não é abrigo, é um lar temporário. A ideia é que aqui seja uma passagem", define. Até sua mãe, diz Linda, chama sua coragem de loucura. "Ela diz que se eu tivesse algum outro vício seria tratável. Esse minha mãe diz que não tem como cuidar".

Lindoneide é corajosa!

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O que dizem o Estado e a Prefeitura de Caucaia 

A Secretaria Estadual de Proteção Animal (Sepa) informou, em nota, que tem “trabalhado junto aos municípios para realizar um censo que identifique e mapeie a situação dos animais em condição de abandono em todo o Estado”.

A pasta esclarece que “é um trabalho que ainda está sendo realizado e que requer planejamento, logística, recursos e, principalmente, a parceria das gestões municipais”. De editais de apoio financeiro, o programa Pata Ceará oferece até R$ 180 mil por ano para dez abrigos no estado.

A Prefeitura de Caucaia, onde o Causa Pet é instalado, informa que “logo no início da atual gestão, foi criada a Secretaria de Proteção e Bem-Estar Animal, uma conquista inédita no município”.

O órgão está, segundo nota, em fase de estruturação e planejamento, mas já existem ações concretas voltadas à proteção dos animais. “Programas de fomento e ajuda financeira para instituições estão em fase de elaboração e a Prefeitura já tem buscado parcerias e apoios institucionais para viabilizar a iniciativa.”

Em abril deste ano, após fortes chuvas, seis cães morreram afogados no abrigo Anjos de Quatro Patas, no conjunto Metrópole. Segundo a nota, o Município se comprometeu a ceder um terreno para o abrigo. O projeto de cessão do terreno já estaria em andamento e aguardando votação na Câmara Municipal de Caucaia.

A Prefeitura complementa que “a UPA dos Animais já realizou 10.837 atendimentos de janeiro a junho deste ano”. E o Vetmóvel, com serviços ambulatoriais, de vacinação e castração, realizou 1.428 castrações no primeiro semestre de 2025.

Foto do Cláudio Ribeiro

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