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A ditadura da ostentação
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Daniel Maia é professor doutor de Direito Penal da Universidade Federal do Ceará (UFC), sendo também advogado criminalista e colunista semanal do O POVO

Daniel Maia opinião

A ditadura da ostentação

Tipo Opinião

Em uma sociedade em que se escolhem os pares pela quantidade de silicone que tem ou pelo carro que possuem, não se pode reclamar que os casamentos ou outros tipos de relacionamentos que naturalmente deveriam durar a vida toda, não passam, com muita sorte, de alguns poucos anos ou até míseros meses.
Em uma sociedade em que se escolhe a academia de ginástica pela ostentação social que representa, mais do que pela relação custo-benefício que trará para a saúde física e financeira do usuário, não se pode reclamar dos resultados que a “vida fit” trará.
Em uma sociedade em que o sujeito é julgado pelo que aparenta ter ao invés do que aparenta ser, não pode reclamar do interesse e do materialismo das relações.
Em uma sociedade em que não se tem dinheiro para pagar um psicólogo ou terapeuta, mas se tem para tomar uma espumante cara todo fim de semana no barzinho da moda, não se pode reclamar dos altos índices de doenças emocionais que desaguam até no negro oceano da depressão.
Em uma sociedade em que o número de likes, as tão populares curtidas das redes sociais, preenchem o ego e a autoestima de milhares de pessoas, mais do que um simples, porém sincero, bom dia do vizinho no elevador do prédio ou do colega no trabalho, não se pode reclamar do vazio existencial que apresentam as milhares de mulheres de corpos perfeitos e homens de abdômen sarados que não se contentam em serem fisicamente atraentes, tendo que recorrer a filtros e outras ferramentas para editar suas fotos – aqui, nem ouso criticar as legendas idiotas e incoerentes com frases bíblicas para fotos de biquíni -, não se pode reclamar das superficialidade das relações.
Em uma sociedade em que quando se completa um raso primeiro mês de namoro se publica para todo mundo ver textos com juras de amor eterno e legendas em fotos comemorando as “bodas de 0.1”, ao mesmo tempo em que tais “amores da vida” foram escolhidos pelos critérios acima ditos (silicones, carros, likes...) e que aos serem substituídos pelo próximo, no qual o primeiro mês também será o “amor da vida 0.1”, não se pode reclamar da liquidez dos relacionamentos.
Assim é significativa parcela da atual sociedade brasileira, a qual pior do que valorizar as pessoas pelo que elas tem materialmente ao invés de reconhecer pelo que elas são intelectual e moralmente – o que já seria nojento-, faz ainda pior juízo de valor, valorizando as pessoas pelo que elas aparentam ter e não pelo que elas aparentam ser, sucumbindo à ditadura da ostentação.
A culpa é nossa, por isso não podemos reclamar, mas sim mudar! E correr o risco de ser “cancelado” ou “excluído” da rede social do próximo “amor da vida 0.1”.

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