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Variante indiana, vírus chinês: o estigma causado pela linguagem
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Jornalista (UFC-CE) e licenciada em Letras (Uece), é doutoranda em Linguística (PPGLin-UFC), mestra em Estudos da Tradução (UFC-CE), especialista em Tradução (Uece) e em Comunicação e Marketing em Mídias Digitais (Estácio). No O POVO, já atuou como ombudsman, editora de Opinião, de Capa e de Economia, além de ter sido repórter de várias editorias. É revisora e tradutora.

Variante indiana, vírus chinês: o estigma causado pela linguagem

Associar a origem geográfica a um determinado causador de doença é uma forma rasteira de promover o preconceito por meio da linguagem
Tipo Opinião
Identificar os nomes como
Foto: CDC/Unsplash Identificar os nomes como "variante indiana" ou qualquer outra nacionalidade reforça estereótipos pejorativos contra as nações e seus habitantes

As variantes do novo coronavírus foram batizadas, nesta semana, por letras do alfabeto grego. A intenção da Organização Mundial da Saúde (OMS) é simplificar a comunicação e, sobretudo, minimizar o estigma provocado a cada vez que se usa uma nacionalidade para designar uma variante.

Cientificamente, as variantes do novo coronavírus são conhecidas por nomes alfanuméricos complexos que dificultam a pronúncia e a compreensão. Não é fácil, por exemplo, reconhecer algo como B.1.1.7 (variante do Reino Unido), B.1.351 (variante da África do Sul), P.1 (variante do Brasil) e B.1.617.2 (variante da Índia).Passam a ser, respectivamente, Alpha, Beta, Gamma e Delta.

Além disso, identificar os nomes como “variante indiana”, “variante britânica” ou qualquer outro tipo que enfatize a nacionalidade reforça estereótipos pejorativos contra as nações e seus habitantes.

Esse tipo de rotulagem, identificada pela linguagem, é prejudicial quando associa a doença – ou um patógeno – a uma nacionalidade. Enfatiza o preconceito e põe em suspeição toda uma população, que passa a ser apontada em nome de algo associado ao mal.

A expressão “vírus chinês”, por exemplo, usada amplamente pelo ex-presidente norte-americano Donald Trump, é um exemplo terrível de como a China passou a ser discriminada a partir do surgimento do vírus causador da covid-19. Também há a variação “vírus de Wuhan”, em referência à cidade que foi o epicentro da doença na China. É certo que os primeiros casos da doença tenham, de fato, sido notificados no país asiático, mas a carga negativa que acompanha a expressão é tamanha que casos de discriminação e violência contra a população chinesa se disseminaram de modo assustador.

O estigma social causado pela impropriedade no uso de termos e expressões discriminatórias também leva a população a hesitar ao procurar serviços públicos, por temer reações perversas dos demais povos. E isso é uma perversidade coletiva contra nativos e imigrantes. Associar a origem geográfica a um determinado causador de doença é uma forma rasteira de promover o preconceito por meio da linguagem.

Gripe suína
É preciso lembrarmos que, há pouco mais de 10 anos, estávamos confusos quanto ao uso da “gripe suína”. A associação aqui era diretamente com o nome de um animal, o que causou um enorme prejuízo para os produtores da carne. Muitos países suspenderam a importação da carne de porco, populações deixaram de comer a carne, perdas foram contabilizadas e o temor se instalou.

O Brasil principalmente viveu esse cenário nos idos de 2009, quando se descobriu que o vírus teria elementos de porcos em seus genes. Ou seja, comer carne suína não era um risco – pelo menos, não para contrair a doença.

Até que, diante do lobby dos empresários, a OMS aceitou modificar o nome da doença, que foi alterada para “influenza A/H1N1”.

Quando se difunde um termo ou expressão que atinge diretamente um grupo, deve-se lembrar da carga de informação que cada conjunto de palavras expressa. É nítido que a linguagem é parte da estratégia eleitoral, política e ideológica de que muitos fazem uso – por vezes, de forma irresponsável.

Além de todos os males sanitários que precisam ser combatidos, há ainda o perigo da desinformação e o estigma, que deve ser condenado. E em casos como esses, não se trata de variação linguística regional. É o uso da linguagem para estereotipar seres, que viraram alvos fáceis pela causa de todos os males personificados.

A língua tem de ser usada para comunicar e aproximar os povos, não para apartá-los.

 

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