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Questionar não deve sair da rotina
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Jornalista (UFC-CE) e licenciada em Letras (Uece), é doutoranda em Linguística (PPGLin-UFC), mestra em Estudos da Tradução (UFC-CE), especialista em Tradução (Uece) e em Comunicação e Marketing em Mídias Digitais (Estácio). No O POVO, já atuou como ombudsman, editora de Opinião, de Capa e de Economia, além de ter sido repórter de várias editorias. É revisora e tradutora.

Questionar não deve sair da rotina

Tipo Opinião

O jornalismo trabalha com verdades. Não há relativismos em relação a isso. Para tanto, demanda contrapontos e questionamentos. Ao produzirmos uma matéria baseados em uma fonte só, assumimos um grande risco - ou aquela fonte tem uma verdade absoluta sobre o fato anunciado e que, por isso, não exige confronto ou falhamos em alguma etapa do processo ao não procurar mais entrevistados para analisar o fato, arrefecendo nossa capacidade de questionar. Ambos os casos são problemáticos.

Nos últimos dias, uma matéria publicada pelo O POVO Online provocou uma repercussão negativa que merece reflexão - a começar pelo título imperativo. Com "Veja alongamentos desnecessários que podem prejudicar musculatura", a matéria ouviu um médico que fazia uma série de afirmações polêmicas acerca dos movimentos. Entre as declarações trazidas na matéria, o ortopedista assegurava que alongar peitoral, tríceps e pescoço, por exemplo, não tem benefício ortopédico e que os alongamentos realizados nas academias não trazem benefício para o corpo.

A matéria traz a declaração apenas do médico, sem uma argumentação contrária. Apresenta também uma lista de exercícios e seus supostos malefícios, de acordo com o especialista. Além disso, a fim de elucidar e ter a certeza de que o leitor entendeu realmente, há um infográfico ilustrativo com as imagens dos exercícios. Seria um serviço quase completo. Só faltou o fundamental - ouvirmos o outro lado, uma tarefa basilar no jornalismo.

Repercussão

O jornalista é um mediador da informação. Se essa informação não estiver clara para ele, consequentemente não estará clara para público algum. É por isso que ele precisa questionar. Ao afirmar que "alongamentos são desnecessários", o ortopedista, que tem experiência e respaldo claro no que faz, tem o direito de se manifestar. E o jornalismo teria o dever de contra-argumentar, com fontes variadas e questionadoras. Não fizemos isso. Recebi algumas manifestações de leitores que criticaram a abordagem.

"O repórter não ouviu um educador físico, mas a opinião de um médico que fez suposições quanto aos educadores físicos, afirmando que 'os educadores físicos, de uma maneira geral, pensam no volume do músculo, fazer ficar grande'. Os educadores não pensam no volume do músculo, o 'fazer ficar grande', pois isso é relativo aos objetivos do aluno quanto à atividade física", escreveu um professor de Educação Física.

Uma leitora questionou se o material não seria um "publieditorial", aqueles conteúdos pagos, mas produzidos de modo editorial. A Redação negou. Alexandre Magno fez uma pergunta simples: "Por que, antes de publicar, vocês não procuraram outro especialista com uma opinião contrária, com argumentos contrários?".

Eduardo Parente, professor de Educação Física (Cref 3472 G/CE), se disse "extremamente chateado com a matéria" e sugeriu um debate na Rádio O POVO CBN sobre o assunto: "O médico generalizou muito. O educador físico trabalha muito na prevenção, mas o médico, às vezes, é bem mais ouvido pelas pessoas do que o profissional de Educação Física. Uma matéria dessas é totalmente inviável".

Depois de toda a repercussão, o título da matéria foi alterado para "Médico defende que não há benefício ortopédico em alongar peitoral, tríceps, quadríceps e pescoço". Em vez do imperativo, destacou-se o posicionamento do médico. Também após a reverberação negativa, foi feita outra matéria. Desta vez, ouvindo demais profissionais, de Educação Física e Fisioterapia: "Profissionais discordam de críticas a formas de alongamento". O contraponto veio em matéria à parte e após a grita geral.

Juliana Matos Brito, editora do portal, comentou: "Avaliamos que o título da matéria não estava condizente com o texto. Por isso alteramos. Fizemos outra matéria com os profissionais de educação física e publicamos um artigo de um conselheiro do Cref5, em que ele mesmo destaca que o tema alongamento é controverso. Erramos ao não ter colocado o contraponto logo".

O POVO acerta ao reconhecer a falta do contrário e publicar matéria com as argumentações depois. Mas veio tarde. Isso deveria ter sido publicado junto com a matéria inicial. A questão não é pontual e não deve ser tomada de modo específico, porque questionar e argumentar não deveriam sair da rotina do jornalista.

Foto do Daniela Nogueira

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