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Pandemia: o papel que cabe ao Jornalismo
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Jornalista (UFC-CE) e licenciada em Letras (Uece), é doutoranda em Linguística (PPGLin-UFC), mestra em Estudos da Tradução (UFC-CE), especialista em Tradução (Uece) e em Comunicação e Marketing em Mídias Digitais (Estácio). No O POVO, já atuou como ombudsman, editora de Opinião, de Capa e de Economia, além de ter sido repórter de várias editorias. É revisora e tradutora.

Pandemia: o papel que cabe ao Jornalismo

Tipo Análise

A crise do novo coronavírus tem descortinado as ideologias antes veladas, dizem alguns. É possível. Defendo, no entanto, que ela esteja fazendo com que vejamos com mais nitidez de que lado cada um está. A imprensa, nesta conjuntura, tem o papel de mostrar os posicionamentos de órgãos e instituições e seus representantes, cobrando deles suas responsabilidades.

Nesta quarentena, quando muitos se voltam para as redes sociais, começam a produzir conteúdo, participar de debates públicos virtuais, criar páginas na internet e lançar opiniões sobre todo novo acontecimento, ficou mais difícil para o leitor diferenciar o que é fato e o que é análise, o que é notícia e o que é opinião. Numa disputa política no meio da pandemia, então, é uma tarefa complexa. Afinal, o Brasil é um país que "nem uma pandemia consegue unir", como bem escreveu por aqui o jornalista Guálter George (O POVO, 12/4/2020 - https://is.gd/cwgElb ).

É aí que o Jornalismo não pode dar margem para que seja mais atacado do que já é. Precisa fazer o básico para continuar avançando.

Na semana que passou, uma matéria do O POVO foi criticada nas redes sociais pelo posicionamento apresentado. Também recebi algumas queixas com o mesmo viés. Em "Mesmo com perdas de até 70%, empresários defendem lockdown em Fortaleza" ( https://is.gd/U7LXHy ), de 19/5/2020, a reportagem conversa com empresários que encontraram alternativas para a sustentabilidade em meio ao isolamento social.

Trabalho remoto, entrega de produtos em domicílio e vendas pela internet são algumas das iniciativas apontadas na matéria como ações praticadas neste período. Os empresários entrevistados se disseram favoráveis ao isolamento.

Qualidade

O leitor Breno Pinto comentou: "Quem trabalha com alimentação e pode investir em delivery, como é o caso do empresário citado, é fácil falar isso". Calebe Castro apontou: "Empresários de supermercados e farmácias". Uma leitora me escreveu que a reportagem é uma "notícia falsa".

Mentira não é, e é fácil verificar. O que irritou o público que se manifestou é que a matéria ouve um lado dos empresários - os que defendem o isolamento mais rígido. Sabem que a medida, por mais antipática e prejudicial que seja, é fundamental para evitar a disseminação do novo coronavírus.

É sabido que boa parte dos empresários cearenses é contrária ao isolamento mais rígido. Eles não deveriam ter sido ouvidos na matéria?

A Redação lembra que representantes de instituições comerciais e industriais do Estado foram ouvidos em matérias anteriores, apresentando seu ponto de vista, contrário ao isolamento. Assim, todas as vozes estariam contempladas na cobertura.

O que não se pode esquecer é que nem todo dia o leitor é o mesmo. O leitor da matéria sobre o empresariado que defende o isolamento não é necessariamente aquele que também leu a matéria sobre os empresários contrários à medida. O jornal precisa mostrar os vários lados da mesma história - até para o leitor entender quem está a fim de se arriscar à exposição e quem encontrou saídas para se manter sem burlar as medidas de segurança sanitárias.

Por outro lado, também é preciso mostrar ao leitor que há um protocolo sanitário, defendido por cientistas, que precisa ser cumprido neste período. É a medida eficaz contra a contaminação. Não há ideologia política que desfaça isso.

O assunto da pandemia traz, por si só, um apelo emocional imenso. O Jornalismo profissional se mostra muito necessário para atender a essa demanda que pode encontrar abrigo em meios frenéticos de divulgação em massa que passam longe da indústria do jornalismo.

Os números dos últimos dias da semana, por exemplo, que somaram "dados represados desde abril", assustaram. Precisam ser muito bem esclarecidos para não dar a sensação de que a imprensa não está divulgando bem os dados que tem - ou de que só gosta da notícia ruim. Na quinta, no portal e nas redes sociais; e na sexta, no impresso, o que mais se viu foi "261 óbitos em 24 horas". Nas matérias internas, o assunto estava explicado. Não foram 261 mortes em um dia, mas notificações. Qualquer número, aliás, é lamentável. Um alto número desses, numa manchete, num título, é aterrorizante.

A imprensa precisa chamar para si um papel que é seu. Ao mesmo tempo em que se dizem cansadas do excesso de informações, as pessoas precisam ser informadas. A régua desse limite é a qualidade do que ofertamos.

Foto do Daniela Nogueira

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