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O tempo necessário da infância
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Danilo Fontenelle Sampaio é formado em Direito pela UFC, mestre em Direito pela mesma Universidade e doutor em Direito pela PUC/SP. É professor universitário, juiz federal da 11ª vara e escritor de livros jurídicos e infanto-juvenis

O tempo necessário da infância

Da complexidade, carências e emoções na jornada pelo o universo infantil
Tipo Crônica
Beija-flor-tesoura (Eupetomena macroura) se alimentando nas flores do flamboyant, no Parque Estadual do Cocó, durante a primavera em Fortaleza (Foto: Demitri Túlio)
Foto: Demitri Túlio Beija-flor-tesoura (Eupetomena macroura) se alimentando nas flores do flamboyant, no Parque Estadual do Cocó, durante a primavera em Fortaleza

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O universo infantil é repleto de surpresas e acontecimentos inusitados.

O mundo dos pais de primeira viagem também.

Uma das questões mais comuns e que orbitam a rotina de quem tem criança pequena diz respeito à alimentação.

- Não sendo brita, ele come de tudo. E rápido. Tenho que esconder as coisas senão ele engole tudo de uma vez - reclamam os pais dos mais rechonchudos, com indisfarçável orgulho.

Mas, se de um lado tem os pais de jiboias saindo de um spa, do outro tem os genitores de imperturbáveis preguiças adulantes e suas disposições de monges tibetanos.

Algumas crianças dessa modalidade levam horas para tomar café ou almoçar.

E todo dia começa com uma adulação paciente e acaba escalonando para irritações e desespero.
As preocupações dos pais são óbvias e praticamente todos travam batalhas ferrenhas, sendo que as estratégias de convencimento são acompanhadas das frustrações correspondentes, ante a crueza dos duelos diários.

Dependendo da insistência e humor, pode ser que aquela parte de nós nos honre com algumas tímidas mordidas no sanduíche ou, com a condescendência de quem sabe o seu poder, tome um copo de suco completo (desde que não tenha sequer um resquício de gomos, esclareça-se).

No almoço, caroços de feijão são devidamente contabilizados e um mísero pedaço de frango é admitido, mas desde que acompanhado de batata frita.

No jantar, quem sabe um pouco de leite afogado em achocolatado seja aceito e olhe lá.

Com muito esforço e habilidade, pode ser que se consiga uma rendição momentânea e o seleto paladar acate alguns biscoitos como ato de boa vontade, em nome de uma pacificação circunstancial.

Mas tal paz dura pouco.

Na próxima refeição, as hordas da resistência estarão a postos e prontas a desafiar a paciência dos pais estreantes que, a uma altura dessas, já cogitam estarem às beiras da inanição e falência múltipla imediata daquele que permanece impassível, brincando com ervilhas e espalhando a comida para as bordas do prato.

Uma amiga, inexperiente como todas as mães são um dia, me relatou a rotina de brigas, ameaças e intimidações na hora do café e que seguiam no elevador, no carro e até mesmo às portas da creche quando o filho de 3 anos, que vinha mordiscando cada migalha da metade de um sanduiche como quem espera a eternidade, finalmente anunciava, com cinismo e segurando cascas, que “acabei”.

Foi assim até que um dia em que o estava colocando para dormir e explicando, pela milésima vez, a importância da alimentação para se crescer forte, bonito e inteligente.

Perguntou por que ele insistia em demorar tanto para comer quando ela estava por perto, vez que sabia que na creche ele comia direito e no mesmo ritmo dos demais coleguinhas.

A resposta foi daquelas de dar um nó na garganta e nos fazer ter dificuldade para engolir.

- É que, assim, fico mais tempo com você.

Foto do Danilo Fontenelle

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