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Mar aberto para todos
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Danilo Fontenelle Sampaio é formado em Direito pela UFC, mestre em Direito pela mesma Universidade e doutor em Direito pela PUC/SP. É professor universitário, juiz federal da 11ª vara e escritor de livros jurídicos e infanto-juvenis

Mar aberto para todos

Conheça a história de Gegê, 88 anos, atleta portador de deficiência em uma das pernas, que se destacou na década os anos 60 e chegou a copetições internacionais
Tipo Crônica
Getúlio Cordeiro, 88 anos, mais conhecido como
Foto: Acervo pessoal Getúlio Cordeiro, 88 anos, mais conhecido como "Gegê", com Danilo Fontenele, cronista do OP+

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Quem passa pela Beira-mar cedinho pode ver umas cabecinhas ao longe, fazendo parte da paisagem do mar. Parecem até uns cocos com braços.

São os praticantes de natação em águas abertas aproveitando os primeiros raios da manhã em nossas águas mornas, calmas e sem correntezas significativas. Às vezes dividem espaço com caiaques, canoas e o pessoal do kite surf. As jangadas ficam mais para o lado do mercado dos peixes e não atrapalham.

Os adeptos nadam em grupo ou por conta própria, sendo que a maioria leva um flutuador como garantia contra câimbras ou algum mal-estar, e é ótimo boiar com segurança enquanto se descansa um pouco lá no fundão, recebendo toda a energia marinha.

Provavelmente a maioria desconhece que os primeiros passos da natação cearense ocorreram perto dali, mais propriamente na Praia de Iracema, nas imediações da Ponte Metálica.

Foi por ali que nas décadas de 1950 e 1960, quando só tinha acesso às piscinas quem fosse sócio dos clubes chiques daqui, que pessoas humildes aprenderam a nadar e conquistaram provas em mar aberto e até mesmo se capacitaram a participar de jogos paraolímpicos.

Naquela época eram feitas competições de 6 km e 10 km, com o percurso entre a Ponte Metálica e o Mucuripe, nas chamadas Provas Heroicas.

Interessante que essas disputas eram surpreendentemente democráticas, participando desde estivadores como José Maria André, o “Zé Maria” e José Vítor Tavares (mais conhecido como “bolinha”) como João Gentil Jr, idealizador do Porto das Dunas.
Dentre esses pioneiros, destacou-se Getúlio Cordeiro, mais conhecido como “Gegê”, hoje com 88 anos.

O que chama a atenção é que sua condição de paraplégico da perna esquerda nunca o impediu de competir lado a lado com os demais nadadores, mesmo que algumas pessoas chegassem a duvidar de sua capacidade.

Ele conta que ao chegar para se inscrever em uma Prova Heroica nos anos 1960, foi olhado de baixo para cima pelo responsável que perguntou: “E essa perna aí?”. Ele respondeu, sem titubear: “Vai também”. Foi preciso assinar um terno isentando os organizadores de qualquer responsabilidade caso ocorresse algum incidente. Gegê chegou em terceiro lugar.

Em 1968, participou dos Jogos Paraolímpicos no México e em 1972, na Alemanha. Ele também realizou a Travessia da Lagoa de Todos os Santos, na Bahia, dentre outras, sempre ao lado de nadadores sem deficiência, não usando flutuador e nem sequer óculos de natação.

Gegê foi professor de gerações de cearenses que aprenderam a nadar nas piscinas do BNB Clube e Círculo Militar, sendo conhecido por seu rigor e competência, até se aposentar no início dos anos 2000.

Quem sabe se existissem maiores condições de acesso para pessoas com deficiência, teríamos o mar mais aberto e veríamos muito mais Gegês deslizando cedinho nas nossas águas.

E a paisagem ficaria ainda mais bela, porque de todos.

Foto do Danilo Fontenelle

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