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Muralhas dentro da cidade
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Danilo Fontenelle Sampaio é formado em Direito pela UFC, mestre em Direito pela mesma Universidade e doutor em Direito pela PUC/SP. É professor universitário, juiz federal da 11ª vara e escritor de livros jurídicos e infanto-juvenis

Muralhas dentro da cidade

Fortaleza vai, ironicamente, dando novo significado ao próprio nome, se transformando, cada vez mais, em uma cidade dividida em suas fraquezas
Tipo Opinião
CAPA - OP+ Cânions urbanos (Foto: Aurélio Alves)
Foto: Aurélio Alves CAPA - OP+ Cânions urbanos

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De uns tempos para cá começaram a brotar prédios com dezenas de andares, alguns com áreas completamente tomadas e meio que espremidos no pouco espaço para muitos desejos.

Novas construções correm soltas, principalmente na chamada zona nobre imobiliária da Praia de Iracema, Beira-mar e Meireles, cada uma ocupando praticamente um quarteirão inteiro.

A vista do alto de 40 ou 50 andares deve ser um espetáculo para os poucos que terão o privilégio de acordar literalmente nas nuvens, mas dois aspectos me chamam atenção.

Fico me perguntando se as escadas dos bombeiros possuem capacidade de chegar até andares superiores de um colosso desses e, se não tiverem, quais são os mecanismos de salvamento certamente previstos.

O outro acho mais difícil de resolver.

É que muitos desses monumentos, visando a acomodar todos os veículos dos futuros moradores, bem como fornecer serviços exclusivos de academias, áreas de motoristas, lavanderia, áreas de lazer suspensas e demais comodidades, estão reservando os três ou quatro primeiros andares para tanto, o que faz com que, quem está na calçada e passando ao lado, só veja uma grande muralha.

"Agora, além das diferenças econômicas e separações sociais, andaremos por entre barreiras físicas e corredores de pedra, em muralhas que parecem nos envolver por dentro e por fora"

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São centenas de metros de muros altos que praticamente se fundem com a estrutura do prédio, como se fossem muralhas de castelos medievais, o que causa uma sensação ainda maior de estarmos vivendo em uma cidade sitiada.

Intimidadoras e sisudas, essas muralhas parecem ter espessura suficiente para resistir a investidas de aríetes, catapultas e outras armas de cerco, estando prontas a defender seus habitantes e repelir ataques e invasões de alguma horda menos avisada.

Não duvido que, se repararmos bem, identificaremos torres de vigilância em intervalos regulares, agora com suas câmeras de super definição e som dirigidos aos arredores substituindo as sentinelas, e um novo big brother urbano certamente está sendo gravado nas ruas próximas.

Quem sabe por lá também existam caminhos de ronda, onde os seguranças dos patrões perfilam-se em olhares atentos e prontos, se necessário, a dispararem flechas ou despejarem óleo fervente sobre os transeuntes suspeitos.

Pontes levadiças foram substituídas por portões automáticos e agora estes realizam o registro de identificação facial e cadastro das digitais dos entregadores e serviçais, em entradas discretas e próprias para os aldeões.

Holofotes e sinais sonoros estão prontos a entrarem em execução caso o instinto de preservação das atalaias seja acionado, garantindo-se a permanência e segurança dos componentes das guildas.

E tudo isso parece ser de propósito, fazendo-se questão de se mostrar afastado, separado, distante e secreto, na preservação do privilégio dos céus.

Agora, além das diferenças econômicas e separações sociais, andaremos por entre barreiras físicas e corredores de pedra, em muralhas que parecem nos envolver por dentro e por fora.

E Fortaleza vai, assim, ironicamente, dando novo significado ao próprio nome, se transformando, cada vez mais, em uma cidade dividida em suas fraquezas.

Foto do Danilo Fontenelle

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