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Radiografia da alma
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Danilo Fontenelle Sampaio é formado em Direito pela UFC, mestre em Direito pela mesma Universidade e doutor em Direito pela PUC/SP. É professor universitário, juiz federal da 11ª vara e escritor de livros jurídicos e infanto-juvenis

Radiografia da alma

Diante das nossas profundidades, nem os equipamentos mais avançados ou as análises mais precisas têm relevância
Tipo Crônica
Mitocrôndia (Foto: SkieTheAce / Pixabay)
Foto: SkieTheAce / Pixabay Mitocrôndia

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Quem já passou dos 50 acaba se acostumando a uma série de exames anuais, numa verificação preventiva do estado geral de nossos medos mais comuns.

Somos, assim, submetidos às coletas de sangue e às constrangedoras entregas, ao raiar do sol, de material orgânico nos laboratórios. Nossas vias urinárias, entumecidas por galões de água, são despreocupadamente massageadas por detectores de código de barras com gel frio, em uma sala congelante. Raios X percorrem nosso corpo semi-embalsamado em um sarcófago branco que gira e nosso coração é submetido a escrutínios completos.

Interessante que, nos últimos tempos, surgiram tecnologias que, incorporando inteligência artificial aos sistemas de imagiologia, permitem o reconhecimento automático de padrões, segmentação de imagens e previsão de doenças com uma precisão muitas vezes superior à interpretação humana.

Outras permitem a extração de métricas objetivas de densidade, volume e fluxo, entre outros parâmetros que podem ser usadas para monitorar a progressão da doença e avaliar a resposta ao tratamento, sem se falar da realidade aumentada e realidade virtual, usadas para ajudar na visualização tridimensional de estruturas, permitindo visualizações simultâneas das informações metabólicas e anatômicas, incluindo processos moleculares e celulares in vivo, fornecendo informações valiosas sobre o funcionamento dos tecidos e possíveis enfermidades.

Os exames nos colocam pelo avesso e as imagens, exibidas em monitores de alta resolução, revelam nossas intimidades aos médicos que assinam os laudos, mesmo sem nunca os ter visto.

Tudo isso para sabermos se realmente estamos bem, ou se somos daqueles que apenas enganam a morte e nos disfarçamos de desligados jogadores de beach tênis ou desafiadores praticantes de triatlon fora da faixa.

"Somente outra alma, vibrando na mesma sintonia e frequência, pode verdadeiramente se conectar à outra. Ao fazê-lo, ela também se expõe e, voluntariamente, compartilha de todos os seus medos, vícios e pecados"

Enquanto os exames não ficam prontos tememos, intimamente, que as cicatrizes da vida sejam representadas no pulsar do eletro e as decepções passadas se revelem em eco. Quem sabe nossas paixões não correspondidas estejam comprimindo o coração e as lágrimas não choradas tenham esculpido abismos sem pontes.

Receamos, disfarçando normalidade, que os sonhos não ousados sejam encontrados, ainda em agonia, na escuridão do fígado ou em latejar lacrimoso no pâncreas. Quem sabe as mágoas não curadas estejam em colônias do estômago e os pecados vergonhosos aglomerados no intestino.

Enquanto esperamos os resultados, continuamos fingindo que a viagem definitiva ainda está longe e que ainda temos tanto tempo que podemos desperdiçá-lo em filas de restaurantes chiques, convescotes exclusivos e em comparações sociais e perfeccionismos fúteis.

Enquanto aguardamos os diagnósticos, tentamos não nos lembrar que, no futuro, o atual acúmulo de bens só servirá para preencher as primeiras declarações do inevitável inventário e que o eventual prestígio não resistirá até a missa de sétimo dia.

Engraçado que, mesmo com tanta tecnologia, especialidades médicas e inovações científicas, ainda não inventaram nada que nos analise verdadeiramente por dentro.

Embora possam visualizar e analisar o funcionamento dos nossos órgãos, os aspectos da nossa alma permanecem invisíveis.

Diante das nossas profundidades, nem os equipamentos mais avançados ou as análises mais precisas têm relevância.

Somente outra alma, vibrando na mesma sintonia e frequência, pode verdadeiramente se conectar à outra. Ao fazê-lo, ela também se expõe e, voluntariamente, compartilha de todos os seus medos, vícios e pecados.

Afinal, sem mencionarmos a espiritualidade, apenas um humano é capaz de perceber o que realmente passa dentro de outro humano.

Aliás, quem sabe um gato, um cachorro ou mesmo um cavalo também possam.

Foto do Danilo Fontenelle

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