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Maria fujona
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Danilo Fontenelle Sampaio é formado em Direito pela UFC, mestre em Direito pela mesma Universidade e doutor em Direito pela PUC/SP. É professor universitário, juiz federal da 11ª vara e escritor de livros jurídicos e infanto-juvenis

Maria fujona

O dilema de ter animais domésticos que, mesmo entre afetos e cuidados, parecem escolher outros voos
Tipo Crônica
Maria, a calopsita procurada (Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal Maria, a calopsita procurada

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Um dia desses escrevi sobre Algodão, uma calopsita de plumagem branca e olhos curiosos que desapareceu nas proximidades dos Correios da Rua Maria Tomásia, no Meireles. Não sei se ele voltou voluntariamente para casa, redimido das aventuras voadeiras que ousou, ou se foi capturado e voltou à sua cela, certamente agora com reforço nas grades.

Agora, mais um novo anúncio de recompensa povoa postes nas proximidades do Hospital Monte Klinikum.

Maria está sendo procurada. Sua crista alta, olhar duro e ar compenetrado, nos fixa com certo desafio. Os donos afirmam que ela sempre foi livre dentro de casa, mas, um dia, voou para longe e não soube voltar.

Será que não soube mesmo?

Ou será que se cansou da solidão num ambiente artificial? Será que se enfadou de voos rápidos e sem graça, empoleirando-se em geladeiras e armários? Será que esses anos todos sonhava em ganhar altura, como os urubus que via da varanda? Será que invejava até mesmo os pombos em sua liberdade urbana de subirem e descerem do céu quando querem? Será que percebeu que sua situação de consolador da solidão alheia era muito pouco para si? Será que se deu conta que aquela vida não tinha muito sentido?

Ou será que foi Algodão quem a resgatou? Quem sabe Algodão e Maria sejam mãe e filho, marido e mulher ou namorados e amantes e, agora, estão juntinhos por aí.

Ou, quem sabe, estejamos vivendo uma revolta alada.

A busca por Maria(Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal A busca por Maria

Quem sabe equipes plumadas de resgate encontram-se agora mesmo vasculhando varandas, cortando telas, bicando paredes e fazendo buracos para resgatar pássaros de gaiolas, sejam elas de madeira ou identificadas como apartamentos.

Quem sabe aqueles colibris, que de vez em quando aparecem, sejam agentes em missão silenciosa e infiltrem-se, conjurando conspirações. Pode ser que os beija-flores tragam garantias de um bem viver realmente livre, os rouxinóis estimulem uma vida solta no Parque do Cocó e os pintassilgos indiquem vida breve, mas digna e conforme a real natureza dos seres.

Será que esses bichinhos desaparecidos, apesar de tão bem cuidados, chegaram a um ponto que simplesmente concluíram que o que viviam não condizia com seus instintos e resolveram se arriscar por si mesmos, mas no mundo que escolheram?

Ou, será que abandonaram os lares, mesmo amando quem os colocou em cativeiro, por decepção com o que viram dos humanos?

Será que identificam nossa raça como tão egoísta, narcisista, interesseira, cruel, irresponsável, fuxiqueira e preocupada em desenvolver intrigas e cultivar pequenos poderes que simplesmente desistiram de nós?

Será que entenderam ter fracassado em suas missões de nos fazer perceber que a vida é curta como seus voos, frágil como seus corpos, leve como suas penas e singela como suas necessidades?

Será que avaliaram que suas lições de generosidade, carinho desmedido, amor incondicional e simplicidade, não dando importância a cargos, aparências, riquezas ou intelectualidade afetada não surtiram efeito?

Será que Algodão e Maria se viram obrigadas a nos ensinar, por derradeiro, que devemos aproveitar a vida e o fizeram nos mostrando as dores de uma saudade e a falta que um amor nos faz?

Não sabemos nada disso.

Mas, mesmo assim, diariamente, passarinhos insistem em fazer ninhos em nossos corações.

Foto do Danilo Fontenelle

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