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O besouro nas plantas do quintal do apartamento
Foto de Demitri Túlio
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Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.

O besouro nas plantas do quintal do apartamento

Tipo Crônica
0609Demitri (Foto: Carlus Campos)
Foto: Carlus Campos 0609Demitri

Meu pequeno jardim da varanda, que o vizinho Maia chama de floresta sem Cocó, terá de ser desfeito. Um besouro preto vem disputando comigo o território do quintal do apartamento. Ele rói, dia e noite, as raízes das espadas de São Jorge e de outras amigas de jarro.

Não teria problema se ao 14º andar chegassem os predadores dele. O suiriri, a Maria Cavaleira, o bem-te-vi e a mãe-da-lua me fariam grande obséquio, mas não voam até aqui.

Nem há lagartixas transparentes ou calangos de muros. E se existissem, provavelmente, eu já teria sido ralhado por Fátima e Sarah. Daí, o inseto reinar num terreiro de concreto sem galinhas para ciscá-lo.

Consegui cultivar uma biota quase perfeita, mas a cadeia alimentar nas alturas do prédio onde me engaiolo (com a porta aberta) não está completa. E como não estou a fim de usar veneno, porque não quero matar as minhocas, terei de doar as plantas para uma casa onde haja melhor equilíbrio.

Ter plantas na sacada não é frescura aldeotina ou modinha bacana da GNT. Não, não, é parte de nós. É algum gosto por esse cômodo da casa de onde podem nascer flores e voar cheiros até o juízo perturbado da gente.

Tenho um jasmim poético, aquele da florzinha branca bem miúda, que até junho floresce direto e solta um perfume noturno que acende meu corpo. Tenho vontade de namorar quando ela faz isso.

Porque me lembro de entrar nesse aroma quando minha tia Auxiliadora recebia o namorado Francisco. Sentavam em cadeiras invertidas na calçada e se beijavam com se o mundo fosse acabar. Do basculante, eu aprendia e sentia o trescalo.

O olor da flor minúscula do jasmim também me levou à casa de Ilma, no Rodolfo Teófilo. A planta cobria todo o portal do portão e era bom ficar no pé do muro cheirando a noite e chupando pipper.

Havia também uma planta assim, que só solta perfume à noitinha, na casa de Aldenise, na Maraponga. Uma namorada bonita, da adolescência, que o câncer carregou. A gente nunca acha que os namorados um dia padecerão. Beijam-se com tanto oceano que fazem parir baleia.

 

A gente nunca acha que os namorados um dia padecerão. Beijam-se com tanto oceano que fazem parir baleia

 

Pois bem, há malvas aqui em casa. E, feito felinos, elas se esfregam em minhas canelas finas e falam também pelo bálsamo. Pedem água, pedem que as mudem de jarros quando engalham demais. E até sentem prazer na poda, quando os cabelos de capim se arrastam pelo mosaico.

Tinham dois pés de ata (florando) e cinco mamoeiros crescendo sem ter espaço no alpendre pendurado. Karlo Kardoso veio e os levou para o terreiro da Casa Azul. Melhor.

É que gosto de ir jogando as sementes das frutas maduras (à força) apanhadas no mercantil. Há uns cinco pezinhos de tangerinas ou laranjeiras nascidas, esqueci de botar as plaquinhas nos berçários.

Bem, estou doando (alegre) as plantas para quem tenha um predador do besouro por perto. Os meus jasmins? Menos eles. Vou cavar os insetos, mudar a terra e lavar as raízes porque as florezinhas me conversam sobre alhures.

Algumas malvas vou mandar para mamãe, na Maraponga. Uma reconciliação pós covid dela e minha. E recomeçarei o jardim para que o nosso corpo não caia do 14º andar. Eu cuido delas e elas cuidam de nós.

Hoje, não quis ser repórter por aqui. Apenas cronista. Abraços.

Foto do Demitri Túlio

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