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Meu voto falocêntrico
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Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.

Meu voto falocêntrico

Tipo Crônica
0811demitri (Foto: Carlus Campos)
Foto: Carlus Campos 0811demitri

Fiquei pensando, vou fazer 54 anos, minha infância foi durante a ditadura militar e minha adolescência e juventude se deram na redemocratização do País. De lá para cá, nas eleições, votei apenas em cinco mulheres.

Maria Luiza, Luizianne Lins, Soraya Tupinambá, Heloísa Helena e, no segundo turno, em Dilma Rousseff. O restante de meus votos, todos, foram em homens de esquerda. Um macho votando sempre em machos. Nunca tinha parado para pensar assim...

É besteira? Né não. É uma constatação de que uma mentalidade extremamente masculina, com raízes lá nas invasões portuguesas e no estupro de índias e de negras, permanece num moço do século XXI.

Mesmo que eu diga que votei em homens bacanas em processo de desintoxicação do machismo atávico, mesmo assim, não escolhi muitas mulheres para me representar na prefeitura, no Estado, nas câmaras municipal, estadual e federal, no senado e na presidência da República.

Alguém irá escrever: "Sim, não havia contexto político". Será? Ou a voz masculina é sempre a última no jogo político? Mais honesto seria assumir que alguns homens até toleram as moças no poder.

No máximo, deram algumas "permissões" para figurarem entre deputados, vereadores e senadores.

Será que, da redemocratização até aqui, nunca apareceu uma mulher "capaz" de assumir, por exemplo, o Governo do Ceará? Melhor, na história política da "Terra da Luz" nenhum ser humano do sexo feminino teve a "competência" para administrar o Estado?

Oligarquias, coronelatos, grupo do CIC, clãs familiares... Em nenhuma dessas torres de dominância a liderança foi, pelo menos, meio a meio. Hegemonicamente o falo foi posto sobre a mesa como sinal de chibata e salvação.

Historicamente, meu corpo político foi forjado para ter a crença que só um homem - aparentemente do pau grande, geralmente branco, e bom de briga - seria a figura que incorpora a entidade de Aquiles e, portanto, o único que consegue montar no cavalo selvagem do Estado varão.

Para as mulheres "já é muito" a prenda de se tornar a primeira-dama (a acompanhante). Um papel, principalmente, de cuidar das crianças do Estado. Quase uma mãe de todos e responsável, também, pela outra casa que o marido comanda.

Não é exagero, é outra leitura possível. Izolda Cela é uma mulher interessante e uma administradora potente. Porém, não foi proposto, na virada de mandato, trocar de lugar com Camilo Santana. Ele passaria a ser o vice e ela concorria como cabeça de chapa... Mas não é assim que funciona a política entre machos.

Provável, os companheiros de política dela acham que Izolda já desempenha uma missão importante como vice-governadora ao lado de um homem necessário. Não carece inventar nem abrir a porta para que pense o Estado com os hormônios femininos.

De verdade, mesmo, por que Izolda não teve o direito ou o convencimento - caso tenha se achado incapaz de que governar o Estado? Não poderia ser a governadora do Ceará numa troca natural com Camilo Santana? Talvez, isso não tenha nem passado pela cabeça dos alfas.

Quando aparecem figuras feito Maria Luiza, Luizianne, Soraya Tupinambá, Heloísa Helena e Dilma, a tendência preconceituosa, quase sempre, é dizer que foram bancadas pelos mais viris do grupo...

Pois é, votei apenas em cinco mulheres. Comecei a investigar a origem arcaica dessa tendência do imaginário coletivo que melhor é um macho no poder.

E é porque sou rebento de uma Maria Edmar que criou seis filhos sozinha. Mesmo que eu diga o contrário, meu histórico de urna é falocêntrico.

O pior é que muitas mulheres se iludem ao justificar que o critério para ter votado pouco ou nunca em mulheres seria a circunstância política. Será? A própria Luizianne trabalhou por um homem para sucedê-la, depois de dois mandatos como prefeita de Fortaleza, quando escolheu Elmano de Freitas. Nenhuma liderança feminina foi formada?

Nem todo homem merece ser eleito, também nem toda mulher. Há mulheres tão machistas quanto os homens.

Mas passou da hora de haver, pelo menos, um revezamento no poder no Executivo. E no parlamento ser meio a meio. Por que não? Qual o medo?

Provavelmente vou morrer sem ter eleito uma governadora do Ceará. Não falo em vice para ganhar o voto feminino. Não. Para presidenta, difícil, os machos não deixarão tão cedo outra voltar. Seria apenas a segunda na história.

Mas as mulheres são maioria, não decidem porque também são machistas.

 

Foto do Demitri Túlio

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