Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.
Há um covidário, durante essa maldita pandemia, que passei a me afeiçoar dele. Talvez, porque toda a minha ansiedade, de alguma maneira, ainda se esvai por lá. O supermercado. E falo de um lugar de privilégio ou "anos de trabalho" para ter direito a fazer mercantil.
Sim, cara leitora e leitor, (dificilmente uso essa expressão do Airton, do Nelson ou do Romeu Duarte). Ir ao supermercado duas ou mais vezes por semana virou uma prenda. Claro, o capitalismo enfiou na cabeça da gente, desde criança, que se não frequentássemos um mercantil não valeríamos nada. Ou quase nada dentro desse padrão margarina-machista da vidinha.
É semelhante, aí volto nas lembranças da infância, ao "lar bem sucedido". Aquela em que a família bem de vida comia carne de primeira, quilo de patinho do açougue. E não ovo ou carne de lata pendurados na caderneta de seu Geraldo bodegueiro. Um gentil do Porangabuçu.
Pois deixa eu voltar para o supermercado, um lugar que virou o único entretenimento. Mesmo perigoso durante o lockdown do Camilo.
Entre as maçãs ruins do Cometa ou os tomates orgânicos e caros do São Luiz, tive momentos de fruições. No Pão de Açúcar, mercantil de minha infância, fui perdendo a afeição.
Talvez, o Pão de Açúcar partiu meu coração quando cortou no tronco uma mangueira fogosa na Júlio Ventura.
Ela rebrotou, mas minha relação, ali, brochou. Apagou momentos sublimes quando, nos tempos da ditadura, pedi à mamãe e a meu pai para irmos à inauguração do Jumbo. Acho que em 1974, no Center Um, na Santos Dumont.
Porque a atração não eram os olhos claros do Tasso (nem sabia quem era o moço privilegiado), mas queria ter com a elefanta ou elefoa, na verdade, uma aliá. Acorrentada em cima de um caminhão e um bando de meninas e meninos infernizando a sensibilidade dela. Coitada.
Mas isso já é pó de memória. Pandêmico, pós-convalescente da Covid-19, logo em março, sentia um alívio criminoso em ter sobrevivido e me encontrar com estranhos no Cometa ou São Luiz.
Um bando de libertos, livres por alguns minutos. Uma hora ou o tempo de comprar três carioquinhas e uma cabeça de alho. Uma permissão para sair de casa e testemunhar outros vivos, mesmos mascarados.
Sou repórter e voltei à rua em abril - calçada do Leonardo da Vinci, Upa da Praia do Futuro, Hospital do PV e Bom Jardim -, mas tinha uma inveja corrosiva dos entregadores de APP.
Não da exploração fdp que são obrigados para escapar, mas pela liberdade de cruzar a Cidade inteira e vazia.
Tinha também uma sedução pela liberdade das caixas do São Luiz da Santos Dumont. Ou de uma do Cometa da Pinto Madeira. No Dia dos Namorados, em meio ao desalento da pandemia, uma perguntou a outra o que ela iria dar de presente para o "boy" dela. Tive ciúme do rapaz invisível.
Desejei ser o "boy" dela. Ter recebido uma caixa de Alpino e ser bem comido. Talvez só de máscara (há a fantasia de ficar só com ela no corpo despido), arriscando morrer de Covid-19 e, na contramão, feliz...
Ir ao supermercado foi um privilégio que ficou mais na cara. E uma alucinação no primeiro pico da pandemia.
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