Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.
O aniversário de uma criança em um barco cheio de dinossauros, no rio Cocó, foi o suspiro de uma semana com o assassinato de um vendedor ambulante na José Avelino e o estupro de uma adolescente
Repórter e cronista muitas vezes brigam para decidir quem cuida e bota no mundo um texto a cada domingo. O dia é de crônica, dispensa os labirintos do jornalismo e se bandeia para os feromônios da literatura.
Mas a crônica, para quem nasceu com o reportar nos couros, faz-se daquele casal amoroso "de três" com a literatura e o jornalismo. Ora flerta na esquina com uma, ora se derrama feito o mangue no outro.
Recordo de um "trisal" que fiz na UFC. Eu, Wellington Júnior e Vângela Morais. Um amor insondável que durou o tempo de quando fomos estudantes do Gilmar de Carvalho e a vida como ela era.
Não me encontro mais com Vângela, casou-se duas vezes e, hoje, é feliz em Rondônia. Ainda tenho rende-vous com o Júnior, hoje casado com Gil. Casei-me duas vezes, também por amores cupidos.
"Trisal" é uma palavra nova para mim. Casal de três, não importa o gênero. Na época, nos corredores da Comunicação, de 1986 a 1994, significava amores abertos. Sem compromisso, nem importava a vida de cada um depois que sumíamos da vista um do outro.
Só se fosse para um acudir o outro. Correr com uma colher de lambedor, um vick no peito, um chá de alho, uma comidinha e um bolo de mãe feito no domingo e um copo de Coca-cola. E, depois, chupar um dindim. Isso é mais ou menos mentira.
Olhe como a crônica é! Territorialista, mija no tronco que se acha dona. Leoa. Eu queria escrever, somente, sobre uma cena "fofa" que vi no rio Cocó. Na verdade, dentro do barco do Araújo.
Foi uma cena surpresa. O bolo e os dinossauros conversando alguma felicidade numa semana de ricochetes
Uma fotografia no Instagram dele, @navegacao_coco, me deu segundos de suspiros e inveja de um menino feliz em 20 minutos de aniversário no rio. Na ponta do barco, a tábua do bico da frente virou uma mesa de festa.
E enquanto o rio deslizava a embarcação, na tábua-mesa havia um bolo de chocolate, uma vela espalhafatosa e quatro dinossauros convidados do aniversariante.
Foram também uns peixes voadores, crianças poucas e uns pássaros biqueiros por lembrancinhas depois dos parabéns. A floresta e o rio, na moldura da foto, completaram a fantasia.
Provavelmente, eram os seis anos de um garoto chamado Vinícius. O Araújo não anotou o nome. Disse que já teve até um aniversário de 90 anos de um senhor. No meio do rio, sem a devastação de 20 jet-skis.
Foi uma cena surpresa. O bolo e os dinossauros conversando alguma felicidade numa semana de ricochetes entre o repórter e o cronista.
Um ouvido quase mouco, aquelas cenas no Afeganistão, a insônia, o Bolsonaro viçando, a morte escrota e covarde do vendedor ambulante na José Avelino...
Naison Abdenego de Sousa Barros, 31 anos, pai de um menino, morto por uma bala da Guarda Municipal de Sarto.
Mas a crônica, para quem nasceu com o reportar nos couros, faz-se daquele casal amoroso "de três" com a literatura e o jornalismo
E por último, o desespero de uma avó e uma neta que me ligaram umas dez vezes. A menina de 13 anos foi raptada, levada para um motel, algemada e estuprada. E ela acusa o sargento RRD, da PM, pelo crime. Há provas.
O cara, depois de tudo, ainda voltou à casa das duas e ameaçou "apagá-las". Matá-las. Fiz matéria. As câmeras registraram o valente na porta delas e a Justiça faz de conta que avó e neta estão superprotegidas...
A crônica é assim mesmo, se alegra com o "trisal", o bolo e o dinossauro no rio da Aldeia, mas se revolta também pela adolescente estuprada e que, depois, tentou matar o corpo dela quatro vezes.
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