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Cinema como resistência
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Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.

Cinema como resistência

"Transversais", longa documental de Émerson Maranhão, é uma vitória do cinema contra a tentativa de censura de Bolsonaro via autoritarismo na Agência Nacional de Cinema (Ancine)
Tipo Crônica
1710demitri (Foto: 1710demitri)
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A estreia de "Transversais" na 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, primeiro longa-metragem do cineasta Émerson Maranhão, é mais uma assertiva de que Bolsonaro deve ser combatido em sua desumanidade. O projeto, um documentário sobre a história de pessoas trans, foi censurado pelo capitão reformado do Exército, em 2019, depois de vencer um edital da Ancine.

Como toda resistência fura buracos no autoritarismo, o filme acabou sendo financiado com recursos públicos do próprio Governo Federal, via Lei Aldir Blanc. Repasses aos Estados para os "editais da pandemia".

Provavelmente se Camilo Santana fosse bolsonarista, "Transversais" não teria saído do roteiro para o set e, agora, não estaria em festivais pelo Brasil e no mundo. Daqui a pouco nas salas de exibição.

"Transversais", sem entrar ainda no mérito da narrativa cinematográfica, já é uma trincheira bem-sucedida contra a cruzada preconceituosa de Bolsonaro sobre o que é diferente e ele não tolera na sala de estar da família tradicional e hipócrita.

 

Dos quatro projetos "abortados" pelo presidente, apenas "Transversais" conseguiu virar filme

 

E, toda vida que o filme for selecionado para algum festival, levará consigo um pré-enredo sobre a tentativa de cerceamento de Bolsonaro contra a liberdade de expressão e o cinema. Além do ódio à soberania das pessoas serem felizes do jeito que precisam ser.

Dos quatro projetos "abortados" pelo presidente ("aborto" é palavra dele), por entender como aberrações contra os bons costumes de um País vivido por bando de intolerantes, apenas "Transversais" conseguiu virar filme. Por enquanto.

"Afronte", dos diretores brasilienses Bruno Victor Santos e Marcus Azevedo, "Religare queer", de Kiko Goifman e Cláudia Priscila e "Sexo reverso", da cearense Janaína Marques se tornaram as outras pontas de uma bandeira contra a bestialidade desse tempo.

Não há nada de "pecaminoso" ou de destruidor de lares conservadores em nenhuma das três propostas de filme com temáticas sobrea a diversidade sexual. Nem no já realizado "Transversais".

 

Uma película sensível e honesta com a gramática de quem confiou ao cineasta Émerson Maranhão a transposição de suas histórias para o cinema

 

Émerson Maranhão, meio Eduardo Coutinho e José Luiz Villamarim e ele mesmo, põe na tela cinco histórias particulares e que se atravessam em Fortaleza.

Kaio Lemos, Caio José, Samilla Marques, Érikah Alcântara e Mara Beatriz biografam histórias pessoais do universo trans.

Um enredo sem nenhuma pretensão de salvar ninguém ou de tornar exótica a existência de personagens cotidianos.

Uma película sensível e honesta com a gramática de cada um que que confiou ao cineasta Émerson Maranhão e ao produtor Allan Deberton ("Pacarrete", "O melhor amigo") a transposição de suas histórias para o cinema.

"Transversais" nasceu do curta "Aqueles Dois", com Kaio Lemos e Caio José. Era, inicialmente, uma série para a TV. Com a censura de Bolsonaro virou um longa. 

 

Meus filmes nunca foram antifranquistas. Neles eu, simplesmente, não reconheço a existência de Franco. Quero que ele não permaneça nem a recordação, nem a sombra

 

Émerson Maranhão, militante da causa LGBTQIA+, assinou por mais de 15 anos a coluna Cena G no O POVO. Um abridor de caminhos em meio ao preconceito e quando os espaços públicos e privados eram ainda menos inclusivos.

Foi o primeiro jornalista do Ceará (e um dos primeiros do Brasil) a dar visibilidade em um veículo da grande mídia, apesar de censuradores e de odiadores, à pluralidade sexual. As dores e as delícias. Émerson é um diretor que tem chão nos pés.

Julguei que "Transversais" poderia ter trazido o discurso censurador de Bolsonaro, pelo caráter histórico. Émerson Maranhão defende diferente e, também, tem razão.

"Colocá-lo no filme seria imortalizá-lo, porque o cinema é eterno. Ele não merece essa deferência. Decidi isso quando li uma frase de Almodóvar: 'Meus filmes nunca foram antifranquistas. Neles eu, simplesmente, não reconheço a existência de Franco. É a minha vingança contra o franquismo. Quero que dele não permaneça nem a recordação, nem a sombra'."

 

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