Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.
Tem mais uma Drogasil numa esquina de Fortaleza. Meio atarantado tento ajustar minha memória para puxar a recordação do que desapareceu, recente e pra trás, no cruzamento da Barão de Studart com a Padre Valdevino. Não consigo, chega dói forçar. E pra que, mesmo, lembrança das posses dos Aldeota?
Tem também um novo supermercado aportando - o Mateus - nos mares da "Noiva do Sol" - carinho de apelido de Ednardo na batida mungida do maracatu. Uma lindeza. Um aboio pelo que vai sendo abduzido.
Deve ser isso, mesmo, e os bestas da Cidade lamuriam o que não é poema no patrimônio alheio. Brigam contra o porrete do capital sentando a pua, e é assim. Esquecimentos. Se essa casa fosse minha? Eu mandava derrubar.
Nem a Ponte Velha "dos Ingleses" e dos Bóris vai resistir... e o Poço da Draga se agarra nuns bichos, ainda grilos
Tratorava o pé de manga, também, e as cidades dos que moram na copa e no tronco dos tamarindos da Padre Antônio Tomás.
Nem a Ponte Velha "dos Ingleses" e dos Bóris vai resistir... e o povo do Poço da Draga se agarra nuns bichos, ainda grilos, para fincar. Vem aí, mais uma novela sobre o Acquário do Ceará.
Lembro ligeiro de minha filha Sarah, lá em Minas, com saudade do mar de Iracema que vem sendo engolido feio pelo lixo rebolado nas águas rasas do Pajeú - um fantasma açoitado por garrafas e latinhas de Coca-Cola. Mar de sacolinhas de mercantis e outras bostas.
É bom. Está escrito em alguma tese de doutor que as esquinas mais seguras são as dos remédios e dos cereais
Mas tem lá suas vantagens ter esquinas de farmácias e de supermercados. É emprego, mercado, riqueza fermentanda. Justifica a minha dor de cabeça, o meu empachamento e os motoqueiros se lascando para endinheirar mais ainda a família da Alexia.
É bom. Está escrito em alguma tese de doutor em segurança pública que as esquinas mais seguras são as dos remédios e dos cereais. É o efeito virtuoso. O Estado fará mais concurso para policiar o negócio dos que pagam salários à favela, eterna operária.
Fiquei pensando, não é culpa dos donos de farmácias quererem tanto as esquinas ensolaradas de Fortaleza. A gente deve ser doente hereditário de Pedro I.
Só isso justificaria tanta oferta de remédios e uma briga, em eterna desconstrução, pelas esquinas
Se tem aumentado o número de farmácias a dar nos olhos é porque Fortaleza é uma metrópole enferma ou hipocondríaca no mais exagerado das hipérboles.
Só isso justificaria tanta oferta de remédios e uma briga, em eterna desconstrução, pelas esquinas mais avistáveis da capital Semiárida.
Já sonhei acordando em meu quarto de dormir, quando dava pela vida despertava no meio de uma farmácia. O restante da casa havia sumido, a família também. O gato, o bodegueiro, a vizinha fofoqueira e o carteiro...
Eu dizia que não queria, eles empurravam um teste de covid nas minhas ventas e mandavam em avaliar o atendimento
E alguém perguntava meu CPF e me dava aquela listinha de promoções e descontos em "remédios" e produtos especiais.
Eu dizia que não queria, eles empurravam um teste de covid nas minhas ventas e mandavam em avaliar o atendimento.
Tão louco que eu não conseguia me lembrar da casa velha nem das árvores que cresceram comigo.
Saía desembestado, correndo, e um bando de caixas de remédios alados voava atrás. Davam rasantes na memória.
Você vai embora de mim, Fortaleza, e eu mareio e chovo. Ou não mais. Nem tanto. A gente se acostuma
Lembrei da saudade da Sarah quando não encontra em Minas o "mar engolindo lindo". "Um a um as coisas vão sumindo / Uma a uma as coisas vão se desmilinguindo / E a lua viu desconfiada / A noiva do sol com mais um supermercado".
Você vai embora de mim, Fortaleza, e eu mareio e chovo. Ou não mais. Nem tanto. A gente se acostuma, fica velho e morre. E não precisa ficar no aboio pelo mar e por velhas longarinas. Frescura de gente arigó.
A cidade se refaz, troncha ou não, e a memória é apenas mais um poema "bonito pra chover" do Fausto Nilo ou do Ricardo Guilherme.
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