Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.
Nem acreditei, mas nas escolas ainda ensinam, como verdade para crianças, o dia do "juízo final". É o tempo do "catecismo" e a insistente pedagogia do medo para "civilizar" meninas e meninos.
Um enredo arcaico sobre o dia da sentada em um banco para réus e o julgamento se fomos impuros durante a "chance" que tivemos de passar pela Terra. O existir seria uma "concessão divina" e, também, uma dívida difícil de quitar.
Um estudante de dez anos, em uma jornada de preparação à "primeira comunhão", prometeu à mãe que se fosse inocentado no "arrebatamento derradeiro" pediria a Deus para renascer pássaro. A vida quase toda sonhou em ter asas, voar com as andorinhas e carregar a mãe.
Descreveu como certeza escutada, meio como se conta sobre uma ameaça recebida, a imagem do juízo final cunhada por uma irmã de caridade. Quando morresse, ressuscitasse e ganhasse a vida eterna, iria entrar noutra dimensão indizível.
O nó é ajustar na cabeça do menino o que é o outro mundo depois dos falecimentos. Um lugar etéreo governado por um "Deus" superpoderoso. Mesmo que pintado como o "amor manifestado", a ideia do "senhor de todas os respiros e suspiros" misturada com "cobrador de pecados" não desenha leveza.
Claro que a criança, depois, enfileirou pesadelos e pedidos de dormidas acompanhadas. Quem seria o juiz perenal? Espírito que tudo vê, nada escapa e que aguarda a morte de todo mundo para promover um grande júri para o acerto final?
"Passei a acreditar na fé dos outros, na manifestação sublime da necessidade delas. Algo que, independente "do Deus", move o corpo fora do costumeiro e do proibido. E, talvez, cure até um câncer, um cobreiro ou a dor de traições"
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Há um livro particular, reproduziu o já catequizado, onde todos os pecados das criaturas humanas estão listados. E na segunda volta do Cristo, o filho de Deus, todos os livros serão abertos e um por um será exposto e cobrado. "E se eu morrer criança?"
Uma de minhas irmãs não andava sozinha dentro de casa, se pelava de medo de encontrar com "o Deus". Ela achava que ele a olhava do telhado. Sempre de cima, de cima para baixo.
Aos sábados, depois que voltava do catecismo, era um suplício. Anoitecia e não queria dormir porque sonhava com os mortos ressuscitando e indo para o julgamento final. "Mãe, pra que acordar quem já morreu?"
E como explicar o Apocalipse pra menina e menino? Dizer que aquilo era um conto de revelação, uma fantasia do maravilhoso?
Falar do dragão, das trombetas e dos anjos, do lago de fogo para onde serão enviados os condenados? Do diabo insistente em não deixar de existir na boca dos controladores?
Imagine a brutalidade no corpo dos indígenas e dos negros quando fomos invadidos, traficados e catequizados!
Minha mente é estranha, mamãe! Vive sendo invadida por palavras, por borboletas que vomitam ácido e, no final, se transformam em galinha...
Passei a acreditar na fé dos outros, na manifestação sublime da necessidade delas. Algo que, independente "do Deus", move o corpo fora do costumeiro e do proibido. E, talvez, cure até um câncer, um cobreiro ou a dor de traições.
Passei a acreditar nas Dunas que se movem. No rio que vomita lixo.
Por "minha culpa", minha "tão grande culpa", peço às árvores, ao mar e aos jumentos abandonados no Semiárido que "Deus" nunca me tenha se for para me acordar dos mortos e me fazer amargar um julgamento depois que eu for daqui e nunca mais.
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