Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.
Ditadura Nunca Mais seria um memorial instalado no Palácio da Abolição. Não tiraria Castelo Branco de lá, seria cômodo para o ditador que abriu caminho para torturas, mortes e desaparecimentos no 1964-1985
Recebi uma carta reveladora do professor Diatahy B. de Menezes. A quem prezo e trocamos, vez em quando, missivas fraternas e abraços ao final.
"Demitri, caro amigo: este seu texto deste domingo me emocionou! Eu fiquei a perguntar se realmente você tinha parentesco com Nildes, Tito e sua família... Ou se seria a parte ficcional da narrativa?
Conheço Tito desde seu tempo de juventude, quando com frequência o encontrava nas missas na Igreja do Rosário; e meus filhos fizeram sua formação inicial na escola da Nildes, velha amiga.
Mais tarde, quando ele foi preso, recebi uma cópia de uma carta sua tristíssima, relatando todas as torturas sofridas.
E no final de 1976 ou num ano parecido, quando eu estava em Paris por ter ido participar de encontro na Sorbonne, pouco tempo antes de voltar, alguém me procurou e me passou o relatório do Psiquiatra sobre ele.
Trouxe isso escondido na mala, porque no aeroporto do Recife eles vasculharam tudo que a gente trazia...; mas passei e entreguei à família os documentos. Vai meu fraternal abraço".
"... sobre o mausoléu "em homenagem" ao ditador Castelo Branco não o tiraria do Palácio da Abolição. Não. Deixaria lá. Até assinei uma carta pública com defensores da expurgação do monumento, mas a história pede intervenções e mediações críticas"
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A conversa com o professor, na verdade, se deu em janeiro de 2020. Mas quero usá-la como desculpa para falar sobre o Mausoléu do Castelo e um Memorial Ditadura Nunca Mais, no Palácio da Abolição.
Respondi ao Diathay assim:
Oi professor, boa tarde. Como está o senhor nesse calor grande e chuvas incertas em Fortaleza? Mais uma vez, grato pela leitura qualificada e reveladora...
O texto de domingo último é o terceiro de uma narrativa entre a ficção e a realidade. Sim, é ficção porque me coloco como personagem de episódios que não vivi, mas está baseado no desaparecimento (tortura e morte) dos cearenses Teodoro, Jane, Tito, Bérgson...
Escrevi o "É hora do almoço" (baseado na música do Belchior), "Goiabas brancas" e, agora, "Contos de desaparecimentos".
Na verdade, estou tentando escrever uma peça de teatro sobre os "desaparecidos" do Ceará. E uso de minhas memórias cruzadas com a tragédia deles. O senhor ainda tem essa carta? Posso lê-la?".
E ele retrucou:
"Demitri, meu caro: faz mais de 50 anos que recebi essa carta. Mudei de casa 3 vezes. Possuo uma biblioteca amazônica de 30.000 títulos! Eu sei lá onde guardei essa carta. Mas lhe prometo: vou dar umas vasculhadas e se achar, eu lhe envio uma cópia.
Mas fiquemos em contato e dividindo nossas reflexões. Cordialmente".
"Mais interessante é transformar aquele endereço num espaço de mediação de uma memória crítica. Com os personagens que atuaram naquele período brutal da história e que até hoje ainda sangra"
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Pois bem, sobre o mausoléu "em homenagem" ao ditador Castelo Branco não o tiraria do Palácio da Abolição. Não. Deixaria lá. Até assinei uma carta pública com defensores da expurgação do monumento, mas a história pede intervenções e mediações críticas. Não pode ocultar cadáveres. Apagar.
Ali, naquele conjunto arquitetônico construído criminosamente em cima de dunas, fundaria o Memorial da Ditadura Nunca Mais. E com o Castelo permeando a história.
Ele é a parte inicial de uma conspiração escrota, do golpe militar de 1964 que matou e desapareceu com muita gente. Por que dispensá-lo de responder por isso, mesmo depois de morto?
"Apagar Castelo Branco dali seria cômodo para o primeiro ditador do 1964-1985. Seria fazer esquecer que o marechal abriu caminho para tortura, mortes e desaparecimentos"
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Mais interessante é transformar aquele endereço num espaço de mediação de uma memória crítica. Com os personagens que atuaram naquele período brutal da história e que até hoje ainda sangra.
Castelo tendo de conviver e ser cobrado pelo que destroçou nas vidas dos cearenses Jana Moroni Barroso, Teodoro de Castro e Custódio Saraiva Neto... até hoje desaparecidos no Araguaia.
O Palácio da Abolição ser um grande centro de pesquisa e memória sobre personagens como Bergson Gurjão, abatido no Araguaia em 1972. As ossadas somente encontradas em 2009, depois de um sofrimento ruminado (de quase 40 anos) por dona Luiza – a mãe do guerrilheiro silenciado e morto.
Jana, Teodoro, Custódio, Bergson, Tito, as mães, as filhas, os irmãos, as irmãs... e tantos outros cearenses que enfrentaram a ditadura e entram no Memorial da Ditadura Nunca Mais, no Palácio da Abolição.
É uma chance de reverenciar a resistência desse povo que disse não à tortura, ao autoritarismo, à barbárie, à censura.
Moças, rapazes e idosos que não aceitaram a ditadura de militares e civis que tinham sadismo por silenciar e ocultar a vida de quem se opunham. Não sabem conviver.
Apagar Castelo Branco dali seria cômodo para o primeiro ditador do 1964-1985. Seria fazer esquecer que o marechal abriu caminho para tortura, mortes e desaparecimentos.
É deixá-lo lá, seus despojos, mas arrodeado por um manifesto permanente e reverberante pela memória e história dos desaparecidos, dos que sobreviveram, e por Nunca Mais uma Ditadura.
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