Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.
Quem no Ceará, fora dos territórios indígenas e quilombolas, sabe fiar a própria origem incluindo negros e os povos das florestas invadidas por europeus e pela igreja católica?
Sem medo da poesia que fresca com a história da raça. Da prosa poética com adjetivos flecheiros, sinônimos fora do senso comum e que subverterão o cotidiano preconceituoso. Algo como acordar e não ir pela mesma rua, não pisar nas mesmas pedras nem ouvir o mesmo sermão do padre catequizador.
Uma prosa poética que até pode não ser feliz, mas desassossega numa pulsão de um Orós em sangria. É feliz! Desassossego é, talvez, a precisão de ser empurrado para desviver o que impuseram feito história dos invadidos.
Ainda penso na história do fim do mausoléu e do desterro do que restou do ditador Castelo Branco lá. Beleza. Elmano de Freitas, um governador pardo talvez, disse o que colocará no lugar do marechal: os abolicionistas.
Certo! Brancos que tiveram uma importância, sim, e habitam os nomes das ruas do Estado que sustentou, por anos, a história de que nunca fomos um território de negros sequestrados da África.
" Nunca, nenhum amigo de rua, de escola ou menina do catecismo, disse que a família deles era de uma "tribo" tal"
Não teria sido uma ruma, não! Ouvi tanto isso na escola, na rua e na cozinha. Não são negros azuis, baianos? Não! no máximo escurinhos? Porque tomavam muito café ou nasciam na lua cheia. As tataravós de "famílias de berço" criaram a crônica sustentada até hoje.
Negociantes das "negadas" e que haviam tentado a escravização de indígenas. Uma carnificina apagada e uma desmemória sobre o terror dos católicos apostólicos romanos e dos protestantes fazendo parir cristão à força e macunaímas.
Foi a caboclização, a morenização do nariz achabocado e dos cabelos de bombril onde a água batia e escorria. Pretos e indígenas retirados da história. Nunca, nenhum amigo de rua, de escola ou menina do catecismo, disse que a família deles era de uma "tribo" tal. Tapebas, carões, tremembés, pitaguaris...
Nenhum vizinho lá no bairro "confidenciou" ter nascido em quilombo, nem teve parte com terreiro nem cortes africanas. O negro que havia era tratado com inexistência.
Índios? Somente os dos filmes exterminados por norte-americanos.
Vi, criança ainda, numa lata de óleo produzida pelos brancos da família Siqueira Gurgel, em Fortaleza, a "neguinha do Pajeú". Uma "empregadinha" preta de chão e fogão, de cabelos "ruins", vestida num vermelho com bolinhas brancas.
Virou sinônimo de "pretinha", xingamento no pátio da escola e nas casas das patroas e senhores de bem enraivecidos contra "pretos folgados", "gaiatos" e que se "revoltavam" e "desobedeciam".
Perpétua mentalidade! Minha bisavó tratava pretas empregadas no "lugar delas". Comiam na cozinha, lavavam as redes mijadas, lavavam os sanitários. E, seus maridos pretos, geralmente, esgotavam a fossa cheia em troca de uma garrafa de aguardente e uns trocados de merda.
"Quem escreveu essa história - escritores brancos, brancos historiadores e jornalistas alvos - apagou nomes que tiveram parte num dos capítulos contra a escravização daqui e do resto do Brasil"
A crônica, na verdade, é uma tentativa de saber quem no Ceará, fora dos territórios indígenas e quilombolas, sabe fiar a própria origem incluindo negros e os povos das florestas invadidas por europeus e pela igreja católica?
Quem, por destino, é da família de Tia Simoa e de José Napoleão, protagonistas da greve das jangadas no porto de Fortaleza, em 1881?
Quem seriam os descendentes dos jangadeiros - libertos, caboclos, morenos, indígenas e brancos - que impediram o tráfico e o comércio de gente negra no mesmo episódio de Simoa e Napoleão?
Quem escreveu essa história - escritores brancos, brancos historiadores e jornalistas alvos - apagou nomes que tiveram parte num dos capítulos contra a escravização daqui e do resto do Brasil.
Procura-se herdeiro de tia Simoa, José Napoleão e dos jangadeiros anônimos.
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