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Antônio das Mortes
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Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.

Antônio das Mortes

Prefiro o inferno ético do Antônio das Mortes e "Satanás" é apenas um cristão descorçoado rebatizado em "Deus e o Diabo na Terra do Sol"
Tipo Crônica
2412demitri.jpg (Foto: carlus campos)
Foto: carlus campos 2412demitri.jpg

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Aporto em mais um Natal da minha vida. Agora, infelizmente, sem acreditar em Deus. Há um alívio nisso.

São 57 natais e na maior parte deles, acreditei em um divino nascido na família, na escola, no senso-comum, na bodega, no Centro de Fortaleza, nos filmes norte-americanos, nos presépios dos shoppings e cravado pela religião luso-católica-protestante que nos invadiu.

Isto aqui é uma narrativa pessoal e cheia de inquietações cotidianas, não há espelho para nenhum leitor e leitora. É uma crônica sem mandamentos.

Ando incomodado com quase tudo, da vida amorosa às ruas que fedem quando Fortaleza chove e não há jeito para as facções e as pessoas que se amontoam na miséria sem estancar.

E lendo a cada um minuto, em sites me azucrinando o juízo, tenho desconforto com Israel. Entrará o Natal feito um Herodes, talvez pior do que ele. Netanyahu não cessa a tara por perseguir e assassinar meninas e meninos palestinos.

"Esperei até agora, um protesto galáctico na hora da "ceia" contra a morte de garotos e garotas palestinas e pelo direito de eles existirem"

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Não terá perdão, é bíblico se assim preferem. Um fauno com os olhos no fundo das mãos e parte do próprio povo de Israel desdenhando do extermínio de crianças ainda no ventre de quem foi esfolada por um drone bomba ou por soldados.

Mataram pelo menos 42 jornalistas em Gaza, estão entre os mais de 20 mil cadáveres e haverá ceia de Natal em todo lugar do mundo. Inclusive na casa de minha amada mãe Edmar, onde hoje se come muito bem.

Um "demônio" está às soltas na Palestina e ele se alimenta do espírito de quem tem gozo com o massacre nos territórios ocupados. É um versículo e aprendi com o catecismo sobre as maldades e culpas infinitas.

Ainda teremos a missa do galo e a mensagem do Papa Francisco - que é um homem do bem e, penso, sabe da imagética divina. Patriarcas, pastores, espíritas, mães e pais de santos, cheios do espírito de Natal e a pança em refluxo, também clamarão pela paz.

Esperei até agora, um protesto galáctico na hora da "ceia" contra a morte de garotos e garotas palestinas e pelo direito de eles existirem. Encarnados na vida com pais, avós, irmãos, o gato, a árvore, os pássaros e o rio da aldeia e do mundo inteiro. E nada!

"O que ainda me atrai nas igrejas luso-católicas ou em qualquer outra, seja qual for a matriz, é a performance. A dramaturgia da contação fabulosa sobre algo invisível e que vigia ou recompensa a fé no miraculoso"

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Pensava assim, um boicote constelar contra todas as marcas de telefones, de carros, de sapatos, de roupas, de cervejas, de maquiagem, de entradas nos estádios de futebol e outros esportes. Parar, como fez o Sars-cov-2, que fechou o Iguatemi e Nova Iorque toda.

Só se voltava a consumir quando o genocídio findasse em Gaza, na Ucrânia e em qualquer lugar onde o homem elimina o outro e, depois, vai à missa, ao culto, ao terreiro, ao centro espírita pedir perdão a Deus.

O que ainda me atrai nas igrejas luso-católicas ou em qualquer outra, seja qual for a matriz, é a performance. A dramaturgia da contação fabulosa sobre algo invisível e que vigia ou recompensa a fé no miraculoso.

Respeito quem crê, mas fico engasturado com o bestiário bolsonarístico ambulante e o perjuro na crônica pela família brasileira tradicional. Esquisito, ouvir os arautos cristãos falando contra homossexuais, aborto, o escambau e o marido ser poligâmico.

Tudo é performance. Vou comer e beber sim e ainda estou pensando em encarar um shopping na última semana do ano, comprar uns mimos, fofurar com uns alguéns e começar o ano pensando no que me resta.

""Deus" foi meio que perdendo a fragrância, mas ainda é um ser façanhoso, serve às minhas aperreações dos nervos, não está no controle e Jesus não está voltando... "

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Não estou ranzinza. Se alguém me encontrar pelas ruas, ou em algum barzinho (o Serpentina da Carol), talvez esteja "bem-vestido", banhado, cheirando a maracujá, carente de abraços e, fortuita, uma transa casual. Sem "pecado".

"Deus" foi meio que perdendo a fragrância, mas ainda é um ser façanhoso, serve às minhas aperreações dos nervos, não está no controle e Jesus não está voltando... assim como nunca seremos uma família sem racismo, sem homofobia, sem machismo, sem estupros, sem aporofobia, sem misoginia...

E "Satanás" é apenas um cristão desiluso e rebatizado em "Deus e o Diabo na Terra do Sol". Antes se chamava "Manuel", portador do nome do invasor e que se frustrou porque dom Sebastião nunca emergiu. Prefiro o inferno ético do Antônio das Mortes a Netanyahu.

Feliz Natal!

Foto do Demitri Túlio

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