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Por um abraço, talvez
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Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.

Por um abraço, talvez

Eu sinto muito, não falo mais nada porque não sei bem o que dizer para confortá-los. Os que perderam os seus para os homicídios e os latrocínios no Ceará
Tipo Crônica
0303demitri.jpg (Foto: carlus campos)
Foto: carlus campos 0303demitri.jpg

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Não quero morrer sendo um falecido de morte violenta. Ninguém deseja. Ninguém deseja. Nenhum dos milhares de assassinados, que estão na conta da ausência do Governo do Ceará e da Prefeitura de Fortaleza, queria ter sido arrancado dos seus.

Imagino a dor de um amigo. Não, não consigo imaginar. Ter perdido a irmã num latrocínio, num bairro na Região Metropolitana de Fortaleza. Não é razoável e não se pode acreditar na bobagem religiosa do que já "está escrito" ou na fantasia do "carma". Não existe um "plano de Deus" num assassinato.

Encadeamentos de causas? Pode até ser. Ruas inseguras, bairros periféricos tomados pela escrotidão das facções, políticas públicas de voo de galinha, políticos ineptos e uma elite cearense velhaca que faz da avareza individual o assassinato de quem não espera ser morto por uma pistola, um fuzil...

E não venham os sórdidos defender que o "cidadão de bem deveria se armar" para se defender. Não. O que poderia inexistir era o bairro, a comunidade, a favela, a ocupação onde tudo é menos e a Cidade é outra na mesma Cidade. Não preciso detalhar.

 

 

"A metáfora Aldeota é a falácia da meritocracia de que todos podem chegar lá. Uma mentira forjada pelo capitalismo e pela imodéstia da concentração de renda que pare idiotas"

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Fico pensando no rombo dado por Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, num cofre coletivo. De uma brutalidade o ato. Qual a diferença para a violência produzida por um faccionado?

Imaginem, o punga-confesso concordou "devolver" R$ 70 milhões de uma parte milionária do que ele havia tungado. Ele e outros.

Imaginem o quanto deixou de ir para uma favela onde a fossa estourada é uma constante no quintal; onde a escola não é atraente; onde o estupro traumatiza e mata crianças; onde o ônibus é um sufoco; onde o bolsa família é a única permanência de uma esmola oficial.

Claro, irão ter mais faccionados e mais cidadãos passivos criados pelo medo e o desejo impossível de se mudar para a Aldeota, a Varjota, o Meireles, o Guararapes...

A metáfora Aldeota é a falácia da meritocracia de que todos podem chegar lá. Uma mentira forjada pelo capitalismo e pela imodéstia da concentração de renda que pare idiotas.

Eu sou empregada doméstica e, provavelmente, 99 de 100 diaristas não conseguirão entrar numa universidade pública ou numa particular para cursar medicina.

Ah, mas medicina? Aí, também, é petulância e até exagero na escrita delirante de uma crônica panfletária. É? É porque a mentalidade violenta dos 388 anos de escravização de negros, negras e indígenas permanece sedimentando o senso comum da entourage que não tolera perder privilégios.

"Não sei qual é a dor do meu amigo e a falta que o abraço na irmã faz. Nem o doído de quem teve alguém exterminado na periferia de Fortaleza numa chacina, num tiro, num suposto excludente de ilicitude..."

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Foram quase 400 anos de sequestro, tortura e assassinatos, uma falsa abolição e um pós-senzala cínicos - a cara de uma República sustentada por um golpe atrás do outro e até hoje. Claro que a violência e o subjugar ainda não se desfizeram.

Fortaleza será mais violenta, o Ceará nunca será pacífico. Por isso os super condomínios verticais de luxo e o modelo alphaville mais segregador ainda. Coitado do Eusébio e do Aquiraz.

É besteira pensar que a violência não pula os muros. Pode até ser, mas um dia você sai com o cachorro pra o bicho fazer coco na calçada dos outros; ou vai para uma roda de samba, ou aleatório mesmo, e alguém te atocaia. Ou arapuca quem você quer bem...

Elmano e Sarto irão fazer o mesmo que Camilo, Cid, Roberto Cláudio, Ciro, Tasso, Lúcio, Juraci, Cambraia e Luizianne... praticamente coisa alguma contra os assassinatos que são aos milhares ano a ano. E não irão estancar!

Não sei qual é a dor do meu amigo e a falta que o abraço na irmã faz. Nem o doído de quem teve alguém exterminado na periferia de Fortaleza numa chacina, num tiro, num suposto excludente de ilicitude...

Sinto muito. Não falo mais nada porque não sei bem o que dizer para confortá-los. Os que perderam os seus para os homicídios e os latrocínios no Ceará...

Foram mais duas semanas de mais terror. Uma criança de seis anos com o rim partido por uma bala e ficará tetraplégica. E mais quatro mulheres eliminadas por chacineiros...

 

Foto do Demitri Túlio

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