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Monólogo para o pastor Simões
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Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.

Monólogo para o pastor Simões

Tipo Opinião
Imagem em referência à foto de Fernanda Montenegro capa da revista Quatro Cinco Um, na qual ela aparece amarrada sobre livros (Foto: Ítalo Furtado)
Foto: Ítalo Furtado Imagem em referência à foto de Fernanda Montenegro capa da revista Quatro Cinco Um, na qual ela aparece amarrada sobre livros

Aos 52 anos, eu queria ser Fernanda Montenegro com 90. Dizer coisas duras e elegantes sobre o tempo e sobre pessoas que se foram e outras ainda por aqui.

Na verdade, queria ser uma mistura de Fernanda e Pina Bausch. Imaginou qual corpo feminino (e político) me levaria, brincante, pela Cidade?

Talvez viver uma história corajosa sobre o feminino não demagógico. Íntimo, vaginal, a mulher nas entranhas e não histriônica ou didática. E exercer um grande enredo de amor. Até mais de um, mas não apareceu ninguém melhor do que Fernando. E, pra ele, acho que talvez não tenha aparecido ninguém melhor que eu.

Fernanda (e Pina) em mim. Atuada no Vicente Pizón, encenando o vexame da morte de Juan Ferreira dos Santos. Aos 14 anos, memória ainda adolescendo e interrompida brutal! Mais uma vez, um tiro "sem querer (?)" da pistola de um policial militar!

Chamava o governador, sentava-o no primeiro banco da praça onde os meninos estavam em magote.

E o que há de criminoso em adolescentes reunirem-se nas pracinhas dos bairros que os habitam? Em bandos de felizes que nem os meninos no calçadão da Praia de Iracema, na Praia dos Crush, no estacionamento do RioMar...

Qual problema da polícia com quem não é da Aldeota?

Com a autoridade delicada de Fernanda gritaria bem alto para toda Cidade ouvir:

Governador, o senhor já levou um baculejo da polícia? Já lhe chamaram de vagabundo por causa de sua pele preta? Já urraram para que o senhor botasse as mãos na cabeça? Já chutaram seus calcanhares e deram um tostão bem no meio dos ovos?

"Juan queria ser barbeiro, desses bem meninos". Eu diria com a voz de Fernanda e o corpo inquieto de Pina, bem nos olhos do governador. "Não lhe deram tempo, excelência".

Você vem de alguém. Talvez, por isso, chovessem (tanto) a mãe e o pai de Juan Ferreira dos Santos numa invertida de nascimento e enterro.

Deu no jornal, sempre dará. "De acordo com a Polícia Militar, uma equipe de policiais observou 'pessoas em atitude suspeita' em uma reunião de jovens na Praça do Mirante. Não foi esclarecido pela Polícia Militar qual era a atitude suspeita do grupo".

Fernanda, num corpo de 90 anos, continuaria lendo para o governador:

"Ainda conforme a PM, diante da 'suspeita', os policiais se aproximaram dos adolescentes para realizar uma averiguação e abordagem, quando algumas pessoas resistiram e arremessaram pedras contra os PMs".

"Segundo os outros policiais, que estiveram na ocorrência, o tiro que atingiu o adolescente foi resultado de um disparo efetuado 'para o chão', conforme nota enviada pela PM.

Mentira, governador! Foi um tiro certeiro na cabeça de meu filho. A mãe grita. Por que não atiram para o céu, governador? O senhor já levou uma geral dos homens? Um tabefe, um chute de coturno? Um tiro por ter uma aparência suspeita?

Fernanda abraça o governador e fala como se fosse Juan dos Santos:

Eu tenho muita saudade. O dia em que eu fui, tive uma brutal saudade de tudo, dos anos que ainda eu iria viver...

(Texto baseado numa entrevista de Fernanda Montenegro e nas notícias sobre Juan Ferreira dos Santos)

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