Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.
Se eu fosse o mar de Fortaleza eu ia embora daqui. Deixaria o buraco imenso em frente à avenida Beira Mar, ali pelos hotéis, ao longo do calçadão onde brasileiros e estrangeiros exploraram moças, e me mandava. Dava um cotoco, uma rabiçaca e pegava o beco.
Sim, sei. O risco era o mar sair num dia e, no outro, toda a imensidão vazia deixada pelo Atlântico seria grilada e ocupada por ricos e pobres. Resort rodeados de favelas, rodas-gigantes, imensos campos de golfe, prédios Dubai, areninhas, coco de pet (não existem mais cachorros), latas de coca-cola, coco verde furado, muros pintados com siglas de partidos e facções, parques aquáticos... o descabau.
Pobre do mar. Da Sabiaguaba à Barra do Ceará não lhe oferecem um tratamentozinho gentil que seja. Quem me disser um ponto, um trecho, onde a Cidade inchada não lasca o Atlântico, boto o rabo entra as pernas e saio de fininha.
Engorda da praia! Eis uma das formas mais escrotas de ferrar o mar. E, por favor, não me digam que houve estudo científico mostrando que uma draga medonha daquela não arrasta peixes e seres vivos que nem somos capazes de enxergar na floresta invisível dali.
Impossível arrastar não sei quantas toneladas de areia do Atlântico e não provocar um dano para quem vive debaixo daquelas águas salgadas de Iracema. Verdade, antes que os puxa-sacos repetiam a cantiga de sempre, ei-la: "tudo tem impacto".
Sim, babaquaras, tudo tem impacto! Lógico. Mas de impacto em impacto, de compensação em compensação vamos alterando os ciclos naturais dos habitats porque alguém tem muito dinheiro e precisa investir pela "sustentabilidade" da Cidade.
Não fosse assim, Prefeitura e Estado não teriam sido criminosos com as Dunas do Parque da Sabiaguaba. Passaram, na marra, a CE-010 no meio da reserva ambiental e as dunas não deixaram de se mover. E, agora, das duas uma, ou destroem a rodovia (impossível) ou matam de vez as dunas (está em curso).
O pobre do rio Cocó, o coitado do riacho Maceió, o miserável do Pajeú... Fizeram tanta engorda no Pajeú que deu no que deu. O bom é que ele volta na estação chuvosa e quer engolir a Heráclito Graça, o Centro...
Se eu fosse o mar, já que não há gentilezas, já que a bosta, o lixo e o mijo dos hotéis, dos condomínios de luxo, das barracas de praia, não deixaram de correr pra lá, eu ia embora de Fortaleza. Ia embora do Ceará.
Levava o Mara Hope, levava a Femme Bateau, libertava todas as almas afogadas e ia embora daqui.
Eu sei, depois que tudo tiver pronto, a gente vai adorar ter mais um aterro. Aquela légua tirana de praia onde a gente vai pra academia ao ar livre, onde a gente passa o Réveillon e sapeca lixo até a tampa no mar. Juraci Magalhães merece uma estátua pelo que fez pelo Atlântico em Fortaleza. Fica a dica.
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