Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.
O Governo do Ceará pouco conhece a PM que tem hoje. Diria também que quem se diz liderança política não tem esse conhecimento todo que pensa ter. Talvez porque a uberização das coisas tenha chegado à tropa.
A uberização, palavra ainda não habitante das páginas dos dicionários formais, atropelou até o processo de politização às avessas da PM do Ceará iniciado em 1997, quando soldados, cabos e sargentos foram pela primeira vez às ruas protestar por melhores salários.
Também passou por cima do amotinamento de 2011/2012, liderado pelo então capitão da ativa Wagner, que depois foi eleito vereador, deputado estadual, deputado federal e, hoje, é mais uma vez candidato à Prefeitura de Fortaleza.
A PM uberizou porque deixou de ter "um dono" e seu comando, em todos os níveis, passou a ser fluído, para o bem e para o mal. A uberização das coisas significa que a forma de se comunicar, de produzir discursos e, aqui, um serviço de segurança pública transformou uma tropa em um arremedo desorganizado de categoria sem ser.
E isso em uma época em que as categorias sindicais estão "debaixo de peia" nessa desconstrução bolsonarista de tudo que não é de extrema direta, que não é conservador nem caminha pelo falso moralismo.
Imagine a esquizofrenia de ter uma Polícia Militar à beira de uma nova "greve". Em 2011/2012 até vá lá. A República era presidida por um petista, esquerdista e "comunista", como era taxado pela ditadura militar.
Na época, mesmo sendo inimaginável militar fazer greve, havia uma "concessão" da esquerda dominante. Hoje os tempos são outros.
PMs, diz o estatuto da Corporação, não podem fazer paralisações. É crime. Ainda mais porque são trabalhadores que portam armas de fogo e são os responsáveis pela tal "manutenção da ordem" também em casos assim.
A greve, no vocabulário militar e reforçado mais ainda no governo bolsonarista, é coisa de "baderneiro", de "vagabundo", de "parasita", de "comunista".
Na próxima terça-feira, 18, a maior parte da tropa poderá decidir cruzar os braços. E se o efeito dominó tomar o Brasil como em 2011/2012?
Como reagirá o governo bolsonarista à reivindicação por um soldo digno e à paralisação ilegal de seus pares de caserna - mesmo que sejam PMs e não verde olivas? Sim, provavelmente a cangalha estará no lombo do petista Camilo Santana.
Mesmo com o diálogo posto entre governo e representantes de soldados, cabos, sargentos e subtenentes, o pior cenário é o que se desenha para a próxima terça-feira.
Nem o governo tem a "simpatia" que acreditava ter da tropa depois de ajustar o sistema de promoções, depois de legalizar o bico, depois de criar gratificações e outros agrados. Nem as "lideranças" têm o controle da situação fora da mesa de negociação.
Na última quinta-feira, 13, ficou evidente o que já tinha sido explícito na paralisação em frente à Assembleia Legislativa. As lideranças políticas e das associações comemoraram o acordo feito com Camilo Santana e, depois, com a manifestação contrária de PMs da base em redes sociais, recuaram e pediram desculpas pela precipitação do que achavam ter sido bom para a tropa.
Na manifestação em frente à AL, a maior parte dos cinco mil militares já havia sido hostil até com o recuo de Camilo Santana e a disposição em renegociar o reajuste salarial.
Há um impasse esquizofrênico causado por uma crise de comando em todos os níveis. Do secretário da Segurança, passando pelo comandante geral ao tenente de companhia. E da liderança política em um movimento confuso e irredutível no que tem de ser meio termo para trabalhadores da segurança e para os cofres públicos.
Há uma nova geração de policiais que passa por cima da hierarquia militar e da simbologia do comando (em chefe) de um governador.
É uma PM noviça influenciada pelo senso comum das redes sociais, que confunde política com espírito de corpo, e que o governo não sabe como lidar. A não ser criando agrados quando é acuado por trabalhadores que portam arma de fogo e que sempre detestaram grevistas.
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